quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Adriana Martins Modesto

O Ensino da Gramática
Adriana Martins Modesto
adriana.modesto@hotmail.com
Graduando em Letras/CESJF

Podemos definir a gramática normativa como um conjunto de regras que devem ser seguidas. Ela tem a função de estabelecer regras para o uso da língua
. Sendo, então, a mais usada em salas de aula como forma de padronizar a utilização da língua materna.
 Mikhail Bakhtin vem trazer com seus estudos uma resposta responsável ao ensino da gramática, apresenta a linguagem como produto social e mostra que sua realização se dá através da interação.
Em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin critica duas linhas teóricas do pensamento filosófico e linguístico vigentes: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato.
Para a primeira linha teórica, o fenômeno da linguagem era um ato significativo de criação individual, sendo o psiquismo individual a fonte da língua. Para essa teoria linguística, a língua é uma atividade que se materializa sob forma de atos de fala. Assim, nada permanece instável nem conserva sua identidade. Os atos de fala constituem-se no fundamento da língua e a língua é vista como produto acabado, um sistema estável. (SOUZA, Vanessa, Entre - Rios Jornal, 2008).

Para o objetivismo abstrato, ao contrário, a fala não é objeto da linguística. Ao contrário, era separada da língua (social), priorizando os elementos constituídos pelas formas normativas da língua, cujo centro organizador situar-se-ia no sistema linguístico: o sistema de forma s fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. Supunha ser a língua um produto que o sujeito registra passivamente. Se a língua tem um caráter estável, cabe ao indivíduo assimilá-lo no seu conjunto tal como ele é. O código linguístico seria como um código matemático, racional, só lhe interessando a lógica interna do próprio signo num sistema fechado e desvinculado das significações ideológicas, sendo seu sistema constituído de um fato objetivo externo a consciência individual. (SOUZA, Vanessa, Entre - Rios Jornal, 2008).

Podemos perceber que Bakhtin trás uma visão inovadora, distinta das demais vigentes da sua época:
Bakhtin critica essas duas correntes porque acredita que a linguagem não é um objeto engessado ou algo imóvel, determinado por regras e estruturas ou pelo psiquismo individual. A sua orientação básica da concepção de linguagem é a interação verbal cuja realidade fundamental é seu caráter dialógico, pois toda enunciação é um diálogo, fazendo parte de um processo de comunicação sempre ininterrupto. Para ele, ignorar a natureza social e dialógica a linguagem seria apagar a profunda ligação existente entre a linguagem e a própria vida. (SOUZA, Vanessa, Entre - Rios Jornal, 2008).

Nessa perspectiva, Bakhtin objetiviza um novo olhar no que diz respeito à visão instrumentalista língua materna, não mais impor a língua como um sistema centrado nas técnicas, regras e no individualismo e sim em uma concepção dialógica em que se promove a interação.
De acordo com a concepção dialógica de Mikhail Bakhtin, temos o conceito de gêneros do discurso, que engloba a noção que todo enunciado tem em comum o fato o sujeito a que se remete. E estes são relativamente estáveis, pois se eles não forem estáveis, você não identifica o gênero. E é necessário o conhecimento dos gêneros, pois este conhecimento facilitará um bom desempenho na leitura e na escrita.
Segundo Bakhtin, a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana. Os gêneros do discurso incluem de breves réplicas do diálogo cotidiano, do relato do dia-a-dia, a um texto específico, uma tese ou texto oficial. Não dar para contar: notícias, contos, poemas, provérbios, textos de opinião, cartas, crônicas, tirinha, etc.(SOUZA, Vanessa, Entre-Rios Jornal, 2008).
Percebemos que os estudos feitos por Bakhtin e as suas conclusões sobre a linguagem é algo fundamental e de extrema valia em nossas vidas. Com essa visão bakhtiniana passamos a ver que não podemos resumir a língua em apenas um amontoado de técnicas e regras. A língua vai muito, além disso, ela permite a interação com os indivíduos ao nosso redor, com os textos que lemos, etc.
 Não podemos ensinar ao aluno uma gramática pura, descontextualizada, em que o aluno apenas memorize ou decore as regras e identifique-as em frases soltas. E preciso muito mais que isso, é necessário uma contextualização. Para Bakhtin, falar de uma linguagem fora do contexto é falar de uma linguagem morta.
Ainda encontramos muitos resquícios no ensino, que faz uso dessa gramática descontextualizada que promove apenas a “decoreba”. Mas também já encontramos mudanças, podemos exemplificar essa mudança com o novo ENEM, A ideia é justamente reduzir a "decoreba". As questões apresentam as fórmulas necessárias, não significando que seja simplesmente substituir valores, ou escrever regras. Com este tipo de prova, as escolas deverão preparar os alunos para questões mais "inteligentes", favorecendo o desenvolvimento do raciocínio, da interpretação.
 A contextualização a cada dia vem tomando espaço nas provas do ENEM e dos principais vestibulares do país. Mostrando que a forma que se trabalha gramática deve ser mudada. Abre-se um novo olhar em relação ao ensino. E trabalhar com a concepção dialógica, como explica Bakhtin é deixar de lado as regras e técnicas. Enfocando na palavra-chave de Bakhtin: Contexto.

Ageu Quintino Mazilão Filho, Aline Aparecida Angelo, Ana Caroline de Almeida, Flávia Aparecida Mendes de Oliveira Cruz

A responsividade bakhtiniana e a proposta freiriana de educação:
aproximações possíveis
Ageu Quintino Mazilão Filho
Aline Aparecida Angelo
Ana Caroline de Almeida
Flávia Aparecida Mendes de Oliveira Cruz

“O existir, isolado do centro emotivo-volitivo único da responsabilidade, é somente um esboço ou um rascunho, uma variante possível, não reconhecida, do existir singular; somente através da participação responsável do ato singular pode-se sair das infinitas variantes do rascunho e reescrever a própria vida, de uma vez por todas, na forma de uma versão definitiva” (BAKHTIN, 2010, p. 102).

“O operário precisa inventar, a partir do próprio trabalho, a sua cidadania que não se constrói apenas com sua eficácia técnica mas também com sua luta política em favor da recriação da sociedade injusta, a ceder seu lugar a outra menos injusta e mais humana” (FREIRE, 1996, p. 102).

O presente texto tem como objetivo fazer algumas aproximações entre as propostas de educação de Paulo Freire e de responsividade em Bakhtin. A idéia da escrita deste texto tem origem nas reflexões e discussões realizadas no âmbito do Grupo de Estudos Críticos do Discurso Pedagógico - GECDiP da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), criado com o objetivo de estudar a Teoria da Enunciação na obra de Bakhtin. Trata-se de um grupo composto por professores, estudantes de Mestrado em Educação e estudantes de graduação em Pedagogia, que desenvolvem pesquisa na área de educação e, assim, procuram dialogar suas reflexões com o campo teórico Bakhtiniano. No decorrer das discussões foram muitas as aproximações feitas entre Bakhtin e Paulo Freire, pelo fato de ambos destacarem em suas obras entendimentos semelhantes. Assim, tentaremos aqui resgatar um pouco dessas discussões levantadas no grupo e aprofundar nosso debate sobre a responsividade bakhtiniana pensando ao mesmo tempo na concepção de educação proposta por Paulo Freire.
            Como estudantes de Mestrado em Educação, tendo em vista nossas pesquisas e seus sujeitos, consideramos importante comentar sobre a responsabilidade ética e estética na forma de escrever e interpretar nossos dados. Sobre esse aspecto Bakhtin (2010) alerta a necessidade de compreender o objeto (sujeitos) de pesquisa de maneira participativa, ética, responsável e reflexiva, para não pensarmos que o nosso conhecimento teórico dará conta de explicar, em forma de verdade, o mundo real, que é histórico, inacabado e passível a várias interpretações. Ou seja, “tudo que é teoricamente concebível não é mais que um aspecto” (Idem, p. 53). E, isso também nos ajuda a refletir sobre a forma responsável como nos colocamos nos trabalhos que escrevemos, ao realizar comparações, análises e aproximações entre um campo teórico e outro.
            O presente texto é apenas uma amostra entre tantas aproximações e interpretações possíveis para relacionar dois autores como Paulo Freire e Bakhtin, com especial atenção na questão da responsividade, portanto, na relação com o próximo apregoada por estes autores, uma relação que apresenta o “outro” como elemento indispensável para a realização do “eu”. Sobre tal relação social, cabe a contribuição para nós muito esclarecedora de Augusto Ponzio – que, talvez tenha sido italiano no sentido intelectual do termo, por demonstrar suas simpatias pelo Renascimento em suas analogias – ao afirmar que “a Revolução Bakhtiniana consiste em deslocar o centro, como em Copérnico, deslocando o centro da Terra em relação ao sol. E o sol é o próximo, é a luz do outro”. No mesmo sentido nos é útil também outro marxista de possíveis aproximações a Bakhtin e Freire, Antônio Gramsci, quando afirma: “Creio que agora me... reformei, conciliando em meu espírito Renascimento e Reforma, utilizando esses dois termos que, me parece, simbolizam muito bem, em grandes linhas, todo movimento das civilizações” (GRAMSCI apud NOSELLA, 2004, p. 143).
Paulo Freire também deixa claro que é dialética a questão – como o movimento de Renascimento e Reforma para Gramsci –, o processo de transformação não pode deixar de vir de fora, e também não pode deixar de partir de dentro, o educador necessita do educando, assim como o educando necessita do educador, ambos se educam. “Em suma, em toda enunciação, por mais insignificante que seja, renova-se sem cessar essa síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre a vida interior e a vida exterior” (BAKHTIN, 1995, p. 66). Freire explica que “o inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez seres éticos” (FREIRE, 1996, p. 59), e cobra nossa responsabilidade quando afirma que “não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos” (Idem, p. 17).             Wanderley Geraldi, contribuindo no entendimento do futuro como centro de gravidade das decisões do presente para Freire e Bakhtin, chama atenção para o fato de que “talvez sejam estes os ensinamentos maiores de Paulo Freire e Mikhail Bakhtin: a grandeza da inconclusão humana e a partilha de um futuro em que a diferença sobrepuje a desigualdade. Por isso, a importância para ambos da ética, da estética e da política” (GERALDI, 2004, p. 51). Para Freire, que via a educação como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador, uma prática consciente capaz de escrever, reescrever, transformar o mundo, a ética é um saber e uma postura necessária para aqueles que exercem uma prática educativa, pois para ele essa tem de ser “um testemunho rigoroso de decência e de pureza” (FREIRE, 1996, p. 33) e cabe ao educador saber que “as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou nada valem” (Idem p. 34).
Essa postura ética do educador destacada por Paulo Freire dialoga com o que Bakhtin chama de responsividade através do ato. Para Bakhtin, o ato é orientado em duas direções diferentes: a singularidade irrepetível e a unidade objetiva, abstrata. A concepção de ato nessas duas direções pode ser compreendida quando Bakhtin analisa a relação entre arte e vida, afirmando que “a ciência, a arte e a vida adquirem unidade somente na pessoa que a incorpora na sua unidade” (PONZIO, 2010, p. 21). Todavia essa unidade exige uma “responsabilidade especial”, que decorre da pertença a um todo, a um determinado setor da cultura, a um certo papel e função e, portanto, uma responsabilidade delimitada, definida, referida a identidade reiterável do indivíduo objetivo. Segundo Ponzio, do outro lado da “responsabilidade moral”, uma “responsabilidade absoluta”, sem limite, sem álibi, sem desculpa, que por si só se torna único, irrepetível o ato, enquanto responsabilidade não transferível do indivíduo (Idem). O próprio Bakhtin evidencia tal idéia ao afirmar que:
“um pensamento participativo é precisamente a compreensão emotivo-volitiva do existir como evento na sua singularidade concreta, sob a base do não-álibi no existir. Isto é, é um pensamento que age e se refere a si mesmo como o único ator responsável” (BAKHTIN, 2010, p. 102).

Na perspectiva da educação freiriana relacionada à responsividade bakhtiniana, podemos considerar que o educador, através de uma postura ética e responsável possibilitada pela compreensão emotivo-volitiva do existir como evento único e irrepetível, materializada no seu ato (ação educativa), concretiza uma ligação entre “cultura e vida, entre consciência cultural e consciência viva”, nos termos de Bakhtin. Freire deixa claro que, sendo a educação a alavanca das mudanças sociais por modelar almas e recriar corações, o processo de transformação é uma questão dialética, que não pode deixar de vir de fora, e também não pode deixar de partir de dentro, como aqui já apontamos na relação com o outro:
“nenhum de nós está só no mundo. Cada um de nós é um ser no mundo, com o mundo e com os outros. Viver ou encarnar esta constatação evidente, enquanto educador ou educadora, significa reconhecer nos outros o direito de dizer a sua palavra, direito deles de falar a que corresponde o nosso dever de escutar” (FREIRE, 2009, p. 26).
           
Neste sentido, a atenção de Bakhtin como filósofo da linguagem que permite a comunicação transformadora, apregoada pela proposta educativa freiriana encontra também respaldo na filosofia de Paulo Freire quando afirma que “a linguagem e a realidade se prendem dinamicamente” (Idem, p. 11).  E a linguagem é composta de palavras que, na educação devem ser preferencialmente as “palavras do Povo, grávidas de mundo. [...] codificações, que são representações da realidade” (Idem, p. 20), concordando assim com Bakhtin quando afirma ser cada signo ideológico “um fragmento material dessa realidade” (BAKHTIN, 1995, p. 33). E “é neste sentido que a leitura crítica da realidade, [...] pode constituir-se num instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, 2009, p. 21). “Agora já não é possível texto sem contexto” (Idem, p. 30).
            Na perspectiva dialógica, sociointeracionista da linguagem e da interação de Bakhtin, os interlocutores vão construindo sentidos e significados segundo as relações que cada um mantém com a língua, com o tema o qual se fala e escreve,  ouve ou lê, segundo as relações que os interlocutores mantêm entre si e ainda de acordo com o contexto social em que a interlocução ocorre. É nesse processo interacional, que os sujeitos constroem uma relação dialógica, marcada por diferentes vozes (BAKHTIN, 1995). A palavra é dialógica por natureza e “se transforma em uma arena de lutas de vozes, que situadas em diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes” (BRANDÃO, 2004, p. 9). Assim, não podemos deixar de considerar que “o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes” (BAKHTIN, 1995, p. 46) e que “o conflito parteja a nossa consciência. Negá-lo é desconhecer os mais mínimos pormenores da experiência vital e social. Fugir a ele é ajudar a preservar o status quo” (FREIRE, 2008, p. 64).

Referências Bibliográficas:
BAKHTIN, Mikhail M., (V. N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora HUCITEC, 1995.
BAKHTIN, Mikhail M. Para uma filosofia do Ato Responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. São Paulo: Editora da Unicamp. 2004
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho d’água, 2008.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2009.
GERALDI, João Wanderley . Paulo Freire e Mikhail Bakhtin - o encontro que não houve. In: CORTEZÃO, Luiza; MACEDO, Eunice; NUNES, Rosa; GERALDI, João Wanderley; ROMÃO, João Eustáquio; FREIRE, Abreu; TRINDADE, Rui. (Org.). Diálogos através de Paulo Freire. 3 ed. Porto - Portugal: Edição Instituto Paulo Freire de Portugal e Centro de Recursos Paulo Freire da FPCE, 2004.
NOSELLA, Paollo. A escola de Gramsci. São Paulo: Cortez, 2004.
PONZIO, Augusto. A concepção bakhtiniana do ato como dar um passo (introdução). In: BAKHTIN, Mikhail M. Para uma Filosofia do Ato Responsável. Tradução: Valdemir Miollo & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.

Alain Kenji Kanai

Prisioneiros do cotidiano: Brasil e Japão
Alain Kenji Kanai[1]

A nossa educação, entendida a concepção de educação da maneira mais ampla possível (cultural, política ou acadêmica), faz com que nos tornemos prisioneiros do cotidiano. Nós somos criados por ela de forma que lembremos os produtos fabricados em massa. Dois compositores, uma delas brasileira e o outro japonês, tratam desse assunto em suas canções, com a finalidade de retratar a sociedade de cada um de seus países, respectivamente, Brasil e Japão: Pitty e Wowaka. Aqui, refletiremos junto com eles sobre a questão colocada a partir de duas canções, uma de cada autor. Comecemos por Pitty:

Admirável Chip Novo

Pane no sistema, alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô?
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo
Parafuso e fluído em lugar de articulação
Até achava que aqui batia um coração
Nada é orgânico, é tudo programado
E eu achando que tinha me libertado...
Mas lá vem eles novamente e eu sei o que vão fazer:
Reinstalar o sistema

Refrão:
Pense, fale, compre, beba
Leia, vote não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more, gaste e viva
Não sinhô, sim sinhô, não sinhô, sim sinhô...
           
            Pitty, com sua canção “Admirável chip novo” (2003), critica a educação brasileira dizendo que a sociedade percebe que está virando “robô”, como aparece na letra. O educador sempre consegue re-implantar as ideologias as quais mais convêm para o sistema, uma vez que o professor é agente que deveria educar, mas trabalha como representante do Governo, uma vez que a escola é um dos “Aparelhos Ideológicos do Estado”, segundo Althisser. Mesmo assim na letra, o sujeito quer sair da rotina e do programa para ele traçado. Por isso nega ao seu senhor, resiste, reflete, grita a todos sobre “esquema” sistêmico. Ao mesmo tempo em que o sujeito da canção apresenta esperança ou ideal de mudança, quando pensa conquistar sua humanidade e liberdade, é surpreendido por pessoas que representam o sistema e que voltam a enquadrá-lo socialmente, o que é metaforizado pela expressão “Reinstalar o sistema”. As necessidades e desejos que se seguem aparentemente tão humanos, colocados no imperativo como aparecem na canção, na verdade, surgem como parte da programação sistêmica e colabora para camuflar/alienar a situação, uma vez que aparentam transmitir uma vontade típica do sujeito, mas até suas vontades são programadas.
            Quando escutamos a canção seguidamente, é quase imperceptível onde ela começa e termina, o que transmite uma idéia circular, sem saídas e sempre repetível.
            Segundo a letra, a sociedade não percebe que não vive por vontade própria, mas sim por uma educação quase que dogmática, o que faz com que o sujeito não tenha vontade própria e viva de forma programada ou robótica, como Pitty canta no refrão.
            Mas, o que isso tem a ver com educação? Diretamente ou de maneira institucional, nada. Mas, indiretamente, tudo, pois podemos entender “Admirável Chip Novo” como uma espécie de resposta da educação (cultura) brasileira, uma vez que esta é uma das responsáveis pela vida programada de forma robotizada e repetível na sociedade. E mesmo que a sociedade queira sair dessa rotina pré-estabelecida, muitas vezes, a educação, que deveria instaurar o senso crítico no sujeito, por meio da escola, vista como instituição formal representante do Estado, aliena-o e o enquadra ao atribuir notas e avaliar as ações humanas em série, de maneira quantitativa e por meio de “múltiplas escolhas” sem brechas (logo, sem escolhas) para vozes outras que não aquelas “programadas”.
            Na educação japonesa, a mesma temática aparece. Vejamos a letra de uma das canções compostas por Wowaka[2] traduzida por nós:

Reversive doll (Boneca reversível)[3]

Três anos atrás, atingiram-me
Convidada por uma voz sem voz
Sempre fugindo da música que é tão importante
A linha simples e inútil que
Cansei de esticar e o fim disso
Mordi o som arrogante e joguei fora cuspindo

Durante três segundos, num mundo em que paralisa
O psicológico vai embaraçando,
Dispensando a partida que estava de frente e me fez andar
Muitas vezes foi assim
Fui vendida,
Mesmo zoando de jogar fora
O senso de preço egocêntrico[4]
Fica perseguindo

“Murmurei uma resposta errada
que eu não tenho jeito”
Mesmo dizendo tal coisa
Não vai ter ouvidos para escutar não é

São negócios que já começou. Tudo?
Não tem coisas que perdi
Ah... Já cansei.
O boneco que ficou arrogante
Dança, roda, salta

Para todos os lados!

Refrão:
Só quero dizer que amo
Fiquei enfileirando os maços de som
Agora como que o amor
Se esvazia e some?
“‘Odeio’ tropeçou” estava
Falando.
De acordo com este horário
No três fui correndo
No quarto que não tem nada fiquei imaginando, imaginando

Três anos atrás, atingiram-me
Convidada por uma voz sem voz
Três anos depois com a caneta que dei estive traçando na suas costas
Como que, com um traço simples e sem sentido
Consegui conectar e fiquei pensando
Exibindo a arrogância gananciosa e os caminhos se fecham

Ah... As coisas todas
Guardei no quarto que vai se afundando
Com um cumprimento de costas
Vou enrolando com as palavras a noite que chora[5]

“Agora, a partir daqui por favor,
pode fazer como preferir”
Como ficou?
E daí em diante ficou um pouco desaparecido

Quem é que rodopiou tanto
Disseminando esse sentimento
Mesmo escutando isso
Você não consegue interpretar?

São negócios que já começou. Tudo?
Não tem coisas que perdi
“Aa.. que sufoco.”
Brinco, abandono, recolho, giro e giro.[6]

Refrão:
Só quero dizer que amo
Fiquei enfileirando os maços de som
Como que agora o amor
Se esvazia e some?

“‘Odeio’ tropeçou” estava
Falando.
De acordo com este horário
No três fui correndo
No quarto que não tem nada fiquei imaginando, imaginando

Apenas a palavra “amo”
Quero afundar junto ao som
Assim que se faz o sentimento, só isso[7]
Colocado e diz imprudentemente

Verdade que vai desmoronar o “odeio”
Virei um boneco que só berra
No três fui fugindo

No céu que não tem nada só, é, último.

            A letra “Reversive Doll” versa sobre uma pessoa perseguida pela sociedade e que não consegue ser ela mesma, apesar de muita batalha. No final, ela se revela ao ouvinte como uma boneca.
            O início da canção trata do passado do sujeito e informa que a boneca foi atingida por uma “voz sem voz” que, ao nosso ver, representa a voz da sociedade. Não adianta a tentativa de mudança dessa vida robotizada, pois ela é perseguida até o final do enunciado da canção. O ponto de vista do sujeito jamais é aceito e ele sofre, por querer ter sua voz ouvida, pois há perseguição social todo o tempo.
            Após o primeiro refrão, o sujeito já se encontra cansado de correr atrás dos seus ideais e se rende à educação dogmática vivida e imposta pela sociedade. Por mais que os outros da canção lhe ofereçam a liberdade, trata-se de uma liberdade aparente, logo, sufocante, pois o sujeito fica preso àquele formato que lhe obrigam seguir. Nos refrões, fica mais visível o desejo do sujeito da canção: ele quer apenas declarar o seu amor ao sujeito amado, mas, numa sociedade preconceituosa, que impõe seus ideais e impede a pessoa de se expressar de forma livre, sem remorso ou vergonha, o que lhe resta é imaginar. No final, como dissemos, o sujeito se revela uma marionete e apenas grita: “vou destruir o que odeio”, o que retrata o resultado de uma educação repressora imposta pela sociedade.
            A educação atual desenvolvida na sociedade, não apenas na escola, mas cotidianamente (com os pais, na igreja, em cursos, grupos de amigos, etc.), seja no Japão ou no Brasil, transforma o povo em robô ou boneco. A idéia de disciplina é o grande problema da questão, pois disciplinar significa domesticar e não educar. Com a ênfase no que Foucault chama de “docilização dos corpos selvagens”, a educação dogmática e opressora transforma os sujeitos sociais em prisioneiros do cotidiano.
            Todavia, não é apenas responsabilidade da sociedade a educação dos sujeitos, mas dos próprios sujeitos, também responsáveis pelas situações em que se encontra a sociedade e por aquelas em que se encontram os sujeitos das canções em seus desfechos. Em ambos os casos, os sujeitos se rendem à opressão, sem lutar até o fim, aceitando a disciplina imposta pela sociedade, sem resistência. E essa resposta conformada de seus comportamentos é que justifica ou, melhor, mantém a sociedade como está. Como diz Bakhtin: “Nada de citar a ‘inspiração’ para justificar a irresponsabilidade. A inspiração que ignora a vida e é ela mesma ignorada pela vida não é inspiração (...)”. O sujeito não pode justificar o seu rendimento à opressão, pois a escolha final foi do próprio sujeito, sua resposta. Assim, fica o questionamento: a educação imposta é uma educação responsiva? Se todo ato é dialógico, como nos ensina o Círculo russo, é porque todo enunciado é responsivo. E se todo enunciado é responsivo é porque a comunicação verbal é ativa e os sujeitos (eu-outro), mesmo que aparentemente não respondam, emitem sempre uma resposta. E se não há álibi da existência, como afirma o filósofo russo, a aceitação do sujeito à essa ordem educacional, social, política, econômica e cultural reflete e refrata, de alguma maneira, alguma(s) das camadas sociais vigentes e garantem a hegemonia hierárquica ideológica e a alienação imperante. Onde se encontra a educação? Poderíamos chamá-la de disciplinarização.

Bibliografia:
BAKHTIN, M. “Arte e responsabilidade”. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2007
BAKHTIN, M. M. / VOLOCHINOV. Discurso na vida discurso na arte. Versão acadêmica traduzida por Carlos Alberto Faraco.
PITTY. “Admirável Chip Novo”. Admirável Chip Novo. São Paulo: Deckdisk, 2003. Disponível em http://www.pitty.com.br/#page=disco. Acesso em 08 de setembro de 2011 às 04h50.
TINOCO, Robson Coelho; ALEXANDRIA, Marília de. “Poemas Música e Dialogias: novos processos melopoéticos”. Mimeo sem referência.
WOWAKA. “Reversive Doll”. Seven Girls’ Discord. Tókio: Tora no ana, 2010. Disponível em http://hinichijourecords.com/release/sevengirls.html Acesso em 08 de setembro às 04h55.


[1] Graduando de Letras; UNESP – Assis; GED; akmilkcandy@hotmail.co.jp
[2] Wowaka pode ser visto como um representante de uma tendência musical típica e muito ouvida no Japão: Vocaloid. Esse tipo de canção é composta (letra e música) por um sujeito que a grava via aparelhagem tecnológica. Assim, um único sujeito pode tocar todos os instrumentos, pois os grava um a um e, depois, ajusta o som. O mais interessante, porém, é que este sujeito não canta, ele utiliza o programa de computador Vocaloid2, da Crypton, com a voz de Hatsune Miku (personagem imagem da voz) como cantora. Assim, a cantora é uma animação. Milhares de pessoas vão a shows desse tipo de canção e, neles, assistem a um ânime que canta e dança. Seria esse tipo de produção, execução e circulação (via internet) uma fuga da “realidade” opressora da cultura japonesa e, por isso, essa temática de uma educação opressora aparece aqui na canção retratada? Seja como for, real e virtual se misturam na contemporaneidade, não apenas no Japão, haja vista a canção de Pitty, de 2003 tratar da mesma temática e Gilberto Gil, nos anos 70, já ter trazido à tona tal questão – na canção “Cérebro Eletrônico”.
[3] Título original “リバシブルドール
[4] Na letra original, os versos 12 e 13 estão invertidos. Como o japonês possui sua estrutura frasal praticamente contrária à nossa, para melhor compreensão do sentido, traduzimos os versos de maneira invertida (12 é, no original, 13 e vice-versa).
[5] Na canção, quando este verso é cantado, há uma expressão que lembra o  anoitecer.
[6]くるくる” ou “Kuru-kuru” é a onomatopéia do som do giro em japonês.
[7] A expressão “Só isso” é cantada em tom irônico. Tom este que não se limita ao ato sentimental.

Alda Mendes Baffa

A ética e a estética no discurso dos professores formadores de professores.
Alda Mendes BAFFA
aldambaffa@osite.com.br
GEPEC – Unicamp

                                 “ O outro está continuamente nos acabando”
(Bakhtin, 2000)
           
Vivenciando a educação de diferentes lugares (professora alfabetizadora, coordenadora pedagógica, diretora escolar, professora universitária e pós-graduação) sempre tive como grande objetivo de estudo a formação de professores.
            A formação docente sempre foi (e será) tema importante nos debates educacionais atrelada a ideia que o instrumento na mesma é um dos meios de melhorar a qualidade do ensino no pais, formando um sujeito pensante. E assim não foi feito diferente neste estudo que agora apresento, esperando compartilhar com meus interlocutores as experiências vividas em sala de aula, tendo como meta principal a formação de professores intermediada pela linguagem, pois, somos sujeitos constituídos por ela.
            Trabalho com formação de professores há 16 anos e a linguagem e o discurso dos professores formadores de professores mudou de uns tempos para cá. Contextualizando a formação de professores no Brasil intermediado pela linguagem, segundo estudo elaborado por esta pesquisadora notamos ao entrevistar os professores formados nas décadas de 70-80 que durante sua formação ouviram um discurso fechado autoritário no qual se ouvia só uma voz:  a do professor que os estava formando. Não havia abertura, o abraço acolhedor às contrapalavras dos seus alunos.
Eram freqüentes, em sala de aula, frases como estas:
- Cala a boca e senta !
- Não me interessa sua opinião !
- Você sabe com quem está falando !
- Vou fazer deste jeito e pronto. Vocês só copiem !
- Aluno que pergunta muito atrasa o meu planejamento.!
Ao relatar suas experiências, os professores formados com este discurso “monológico” no qual só se ouvia uma voz (do professor) e refletindo sob sua responsabilidade ao formar novos professores (décadas de 90-2000) usam, outro tipo de discurso, segundo a referida pesquisa,: um discurso onde se ouve a voz dos seus alunos. Assim ouvimos as seguintes frases nas entrevistas realizadas:
- Analisem o texto e emitam suas opiniões sobre o assunto. Deem boas razões para pensarem assim!
- Vamos recortar e fazer juntos o próximo desenho!
- O que você pensa sobre este parágrafo !
Assim na polifonia de vozes destes  novos discursos estavam se formando os novos professores do Centro Específico de Formação de Aperfeiçoamento de Magistério (CEFAM) na cidade de Santo André, curso infelizmente instinto em 2003 ( nova LDB 1996).
            Perceberam os professores formadores da década 1990-2000 que era preciso pensar. Os alunos devem ser chamados a pensar, pois segundo, Bakhtin (2010): “somente o ato de pensar pode ser Ético”. O outro me exige esse pensamento, na formação de um ser ético diferente de mim.
            Não podemos só falar de Ética, mas também da Estética no discurso do professor formador de professores. Segundo Bakhtin (2000) “ uma obra é Estética quando há um acabamento”. Assim a Ética está presente em questões como dialogismo, o processo em si de interação entre professores e alunos. Ao refletir sobre o seu discurso e olhar para si mesmo e para o seu aluno o professor formador de professores avalia seu discurso, sua aula, garantindo o reconhecimento do outro como ser em, continua formação, agindo e fazendo (no sentido Ético de seu ato) ”refletir sobre o agir (elaboração Estética) do acabamento de sua aula.

Referências:
BAKHTIN, Mikhail, Marxismo e filosofia da linguagem, 9ª. edição, São Paulo: Hucitec,1999.
BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal,, 3ª. edição, São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, Mikhail, Para uma filosofia do outro responsável,, São Carlos: Pedro&João Editores,2010.
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da Universidade estadual de Campinas, 2001.
CLARK, Katerina e HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 1998
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Pratica E|ducativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998
GERALDI, João Wanderley, Portos de Passagem. 4ª.. edição.São Paulo: Martins Fontes, 1997.