quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Alene Caroline, Amanda Carvalho

Representação: olhar que re(cria)
Alene Caroline (Universidade Federal do Pará)
alenecaroline@hotmail.com
Amanda Carvalho (Universidade Federal do Pará)
amandacarvalhovale@hotmail.com

Se os professores ou alunos usarem o poder para reconstruir o conhecimento na sala de aula, então eles saberiam usar o poder para reconstruir a sociedade. A estrutura do conhecimento oficial é também a estrutura da autoridade social. Paulo Freire (1987: 10)

     Percebemos que a criança tem uma capacidade incomparável de refazer tudo o que os adultos fazem, principalmente aqueles que elas vêem como seus heróis. Pais, professores, amigos são alvos fáceis para criança olhar e refazer o que esses fazem.
     Poderíamos, assim, dizer que ela imita os outros ao seu redor. Mas será que isso é de fato real? Digo que mais do que imitar, a criança cria também. Ela mistura todo o conhecimento e percepção de mundo adquirido com o que ela “imita” do outro. Ela se torna uma re(criadora) do viver adulto ou do meio social no qual ela está inserida.
     Vigotsky fala a respeito disso, quando diz que o desenvolvimento da criança se dá de fora para dentro, sendo o meio social no qual ela está inserida o fator principal para esse desenvolvimento.
     Muitos pais ou responsáveis se sentem na obrigação de repreender a criança por tal fato, com a ideia de que ao fazer isso irão melhorar seu crescimento natural.
     Não é difícil acreditar que essa é uma idéia errada, se partimos que o funcionamento social dá origem ao desenvolvimento individual.
     Cada criança sendo um ser humano único e significativo tem sua forma de olhar e participar da sociedade em que vive. Isso as faz diferentes uma das outras, mas não há como negar essa predisposição que as igualam: O ato de criar, a forma de olhar o mundo ao seu redor, sendo capazes de re-criar tudo o que vêem, criando assim personagens para si.
 

Figura 01 e 02:

As relações dialógicas do universo infantil são constituídas do embate entre a sua realidade familiar e a sala de aula, portanto cabe a esses pais e ainda mais ao professor inserir-se nesse universo.
Dois enunciados distante um do outro, tanto no tempo quanto no espaço, que nada sabem um sobre o outro, no confronto dos sentidos revelam relações dialógicas, se entre elas, há ao menos alguma convergência de sentidos. (BAKHTIN, Estética da criação Verbal p. 307-335)

      Uma criança pobre não deve ser vista apenas como alguém carente ou inferior, mas como alguém que convive em uma determinada cultura. Cabe ao professor inserir-se na realidade do aluno a partir do campo de visão do mesmo, partindo de onde a criança está para o desenvolvimento de outras potencialidades.
      Mais fácil agora seria afirmar que esse imaginário criativo infantil é um ponto positivo para sua educação, já que desenvolvimento e educação não são dois processos independentes, eles relacionam-se como conteúdo e forma do mesmo processo.
A situação social do desenvolvimento, que é o ponto de partida para todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento nesse período, define completamente as formas e caminho que a criança segue – conforme adquire, cada vez mais, novos traços de personalidade – a partir da atividade social, a principal fonte de desenvolvimento. Esse é o caminho pelo qual o social se transforma no indivíduo. (VIGOTSKY, 1982/1984, vol. 4 p. 258-259)

      Estudar a perspectiva histórica cultural ajuda o professor a compreender melhor aquilo que a criança trás para a sala de aula e trás também uma proximidade maior do profissional com a criança, não a enclausurando a uma realidade oposta em demasia da sua.
      Para Vygotsky desenvolvimento cognitivo está diretamente relacionado com a base cultural de cada criança. Sendo assim, o saber construído em sala de aula não deve ser uma ruptura com o que a criança já trás para a sala de aula, mas uma soma que os leve a novos conhecimentos.
       Bakhtin diz que a dialogia é uma relação de forças onde não há a morte de uma convivência, há interação entre as mesmas, as duas forças se transformam de alguma maneira.
Daí uma atitude diferente do professor: ele vai se aproximar da criança achando que ela tem algo a revelar que eu não sei. Enquanto com aquelas outras teorias, eu sempre me aproximava da criança como se eu já tivesse um saber que ela não sabe, que ela não detêm. (BAKHTIN)

      Segundo Vigotsky, as práticas educativas formais e informais são meios sociais para organizar uma situação de vida que promova o desenvolvimento mental dessa criança.
      Produzir desde a infância um olhar diferenciado, criar maneiras para que elas possam ver os seus heróis em si mesmos é um jeito dinâmico e indispensável de fazer tais crianças desenvolverem habilidades que refletirão no seu modo de viver e ver futuramente.
     Produzir ao longo de seu processo de desenvolvimento essa representatividade é de grande valia para aguçar sua sensibilidade estética em relação ao toda em que vive.
Se corretamente organizada, a educação permitirá à criança desenvolver-se intelectualmente e criará toda uma série de processos de desenvolvimento que seriam impossíveis sem a educação. A educação revela-se, portanto, um aspecto internamente necessário e universal do processo de desenvolvimento, na criança, das características históricas do homem, e ao de suas características naturais. (VYGOTSKY, 1956, p. 450)
          
     A linguagem também passa a ser um ponto crucial, sendo parte da sociedade como elemento básico na vida social. O discurso faz parte desse desenvolver, já que ele é a própria linguagem como prática social, pois é mediante ele que os indivíduos constroem sua realidade social e agem no mundo. Da mesma forma a criança precisará dessa linguagem para aprender e apreender o todo que nos rodeia.
O ponto mais significativo é que o elemento linguagem se tornou, em certos pontos chave, mais saliente, mais importante do que costumava ser, e na verdade, aspecto crucial das transformações sociais que estão acontecendo – nada faz sentido sem que pensemos na linguagem. (FAIRCLOUGH – 2003: 203)

   Trabalhar a representatividade e a linguagem – que, a meu ver, se completam de forma única e dependente, pois a linguagem esta presente nessa representatividade de alguma forma – faz parte do crescimento intelectual da criança, proporcionando a esta esse olhar re(criador) que é tanto dito aqui.
     Cabe, assim, ao professor – que está atento a aprendizagem do aluno – promover uma interação na sala de aula, do outro com o outro, da representação com suas variadas formas de linguagem. Assim, professor e aluno poderão se “enxergar” melhor nessa troca.
O excedente de visão é o broto em que repousa a forma e de onde ela desabrocha como uma flor. Mas para que esse broto efetivamente desabroche na flor concludente, urge que o excedente de minha visão complete o horizonte do outro individuo contemplando sem perder a originalidade deste. Eu devo entrar em empatia com esse outro individuo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente de minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento. (Bakhtin – pag.23)

     O outro e suas experiências de vida são tão importantes para mim quanto eu e minha experiência de vida são para ele. A partir do momento em que o professor leva isto em consideração, ele assume a responsabilidade de educar o aluno, assumindo a importância do ponto de vista desse indivíduo. Dessa forma, é possível desenvolver o olhar – quando digo olhar, me refiro a ele tanto do aspecto social, cultural quanto extraposicional – da criança em consideração a sua cultura e seu meio social, educando o aluno de maneira responsiva.
     É a partir daí que mundos se cruzam, olhares se encontram, formando um todo único e um único todo, capazes de olhar, diferenciar e ao mesmo tempo igualar a sociedade da qual participamos.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Palavras e contrapalavras: Conversando sobre os trabalhos de Bakhtin. In GRUPO DE ESTUDO DOS GÊNEROS DO DISCURSO (GEGe). São Carlos (SP): Pedro & João, 2010.
PAPA, Solange Maria de Barros. Prática pedagógica emancipatória: O professor reflexivo em processo de mudança. São Carlos (SP): Pedro & João, 2008.
DANIELS, Harry (org.) et al. Vygotsky em foco: Pressupostos e Desdobramentos. 2° edição – Campinas (SP): Papirus, 1995, p. 121-166.
FREITAS, Maria Tereza A. In: O pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil / Maria Tereza A. Freitas – 2° edição – Campinas (SP): Papirus, 1994. (Coleção magistério, formação e trabalho pedagógico) p. 82-95.

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