quinta-feira, 6 de outubro de 2011

João Paulo Ferreira, Sindy Rayane Ferreira, Tereza Tayná Lopes

Vivência e interação: uma proposta para melhorar a educação
João Paulo Ferreira (Universidade Federal do Pará)
jp-cordeyro@hotmail.com
Sindy Rayane Ferreira (Universidade Federal do Pará)
sindyrayane@hotmail.com
Tereza Tayná Lopes (Universidade Federal do Pará)

O projeto Entreletras: aprendendo e ensinando a ler e a escrever o mundo a partir da atitude ética e estética no mundo, que está a mais de um ano em andamento, surgiu a partir da necessidade de se desenvolver a competência comunicativa dos alunos do curso de Letras da Universidade Federal do Pará e de alunos do ensino médio de escolas públicas. As habilidades de leitura e escrita são estimuladas através da prática constante, sempre pautada em valores éticos e estéticos. Por meio de “vivências” em espaços urbanos variados, os alunos entram em contato com a experiência estética, usando o recurso fotográfico, para depois, por meio da produção escrita, fazerem o elo entre o que se viveu, sentiu e o que se aprendeu, de maneira que arte, vida e linguagem se mesclam, misturam-se para a configuração do texto.
Sendo assim, surgiu a ideia de fazermos uma vivência em que pudéssemos ver de mais perto como vivem os mendigos na cidade de Belém, no Pará. Fomos à igreja das Mercês, localizada no centro histórico dessa cidade, considerada grande acolhedora desta gente. Cada participante do projeto registrou as imagens que, segundo o seu olhar estético, mais lhe chamaram a atenção. Inúmeras fotografias foram registradas, os mais variados tipos de imagens que, em seguida, foram enviadas, por email, a todos participantes do projeto, com o objetivo de compartilhar os diferentes olhares com relação ao “outro” ou de determinado “objeto” encontrado. O que possibilitou que através das fotografias o olhar extraposto fosse incentivado a “funcionar” mesmo depois da vivência.
Figura 01: Igreja das Mercês

O resultado foi o melhor possível, foram produzidas, pela maioria dos participantes do projeto, redações com um olhar estético bem marcado. Isso porque entende-se que houve uma interação com outro, tanto por meio de representação (envolvimento “por dentro”), quanto por meio de extraposição (contemplação “por fora”). Muitos que escreveram diziam ter se colocado, em certo momento, no lugar de um mendigo, ou até mesmo no lugar da igreja que os abrigava, havendo assim grande empatia com os objetos encontrados na vivência, (BAKTHIN, 1997, p.79) “o objeto estético é expressivo enquanto tal é a representação externa de um estado interior: o que se expressa não é objetivamente significante (não tem valor objetivo), o significante é a vida interior do objeto expressando-se a si mesmo; está é a condição que permite vivenciar o objeto com empatia”. Dessa forma o sucesso não foi somente de quem escreveu a redação, o tema escolhido e o lugar da vivência influenciaram grandemente no resultado obtido, houve uma interação com a história de vida de cada participante do projeto com o tema sugerido. É sabido que
É impossível ao homem construir valores para si unicamente a partir de si. O valor é o centro do acabamento da estética porque exprime significados que são construídos na unidade da cultura humana em que estão também as vivências. O estético – todo acabado – nasce da extraposição. (MACHADO, 2005, p.143)

Entusiasmados com o resultado da vivência dos mendigos, tratamos de escolher outro local para uma próxima vivência. Escolhemos então o bairro da Cidade Velha, também localizado no centro histórico de Belém-PA, o bairro mais antigo da cidade, lugar cheio de história, por onde várias vidas já passaram e onde ocorreram, os mais diversos acontecimentos. Fomos para a vivência, tínhamos a certeza de que através das imagens e do olhar extraposto de cada um, com grande facilidade, produziríamos belas redações.
Repetimos o mesmo processo da vivência dos Mendigos, tiramos várias fotografias, todas as imagens, mais uma vez, foram enviadas, por e-mail, a todos. Com a expectativa que o olhar extraposto surgisse na interação com as imagens, com os objetos, com o outro. No entanto, mesmo repetindo o processo da vivência dos mendigos, o resultado não foi satisfatório, houve uma queda considerável na estética dos textos produzidos, além da grande dificuldade que a maioria teve para desenvolver suas redações.
 Figura 02: rua do bairro Cidade Velha

Através das experiências vividas no projeto entendemos que muito há o que mudar na relação aluno-professor, já que ambos assumem importantes papéis na educação. Esta relação não pode continuar seguindo os preceitos de que o professor dá as ordens e alunos as obedecem, professor fala e aluno apenas ouve. Todos nós sabemos que esta não é a melhor relação que deve haver entre estes indivíduos. Ambos precisam saber que suas participações no processo educativo são igualmente necessárias. Paulo Freire já dizia:
Conhecer, na dimensão humana, que aqui nos interessa, qualquer que seja o nível em que se dê, não é o ato através do que um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivelmente, os conteúdos que outro lhe da ou impõem. O conhecimento ao contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e reinvenção. Reclama reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecimento e ao, reconhecer-se assim, percebe o “como’ de seu reconhecer e ao, que está submetido seu ato (FREIRE, 1997, p.22)

Essa relação também é importante para o momento de produção de textos. O professor deve se policiar em uma série de fatores que influenciam não só na produção dos alunos, mas também em seus resultados. Dentre esses fatores estão: a ausência de uma boa metodologia, ausência de propostas de redações que estejam ligadas com as vivências dos alunos e a falta de interação com os mesmos, seus aprendizes. A mecanizada produção de textos que é trivial entre os produtores (alunos) deve-se à falta de uma metodologia baseada no que Mikhail Bakhtin chama de dialogismo. Tendo em mente isto, podemos afirmar que alguns professores deveriam rever seus métodos e mostrar aos alunos que texto não é aquele que apenas possui palavras dispostas com base em uma gramática imposta, pelo contrário, os textos devem se relacionar com os contextos no qual podem ser criados. O professor deve ensinar aos seus alunos que os textos são ligações, são canais que conectam o eu ao outro; quando esses alunos forem produzir seus textos (sejam orais ou escritos) devem lembrar dessa conexão. Assim, é importante que o escritor saiba que dada a sua palavra poderá vir a contra palavra de outros nesse diálogo. É assim que
A obra assim como a réplica do diálogo, visa a resposta do outro (dos outros) uma compreensão responsiva ativa, e para tanto adota todas as espécies de formas (...). A obra é um elo na cadeia da comunicação verbal; do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se relaciona com as outras que lhe respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante à réplica do diálogo, a obra está separada das outras pela fronteira absoluta da alternância dos sujeitos falantes (BAKHTIN, 1979, p.229).

O professor deve propor temas que estejam ligados à experiência de vida dos alunos-produtores, para que estes obtenham maior desempenho em seus textos devem ser levadas em consideração: suas famílias, amizades, moradia, estado emocional, vivências (de vida). Dessa forma, estaremos estimulando boas e criativas produções. O mestre deve se atentar para a interação que há entre si mesmo e o aprendiz. O aluno deve perceber que não é apenas um receptor de informações, e sim um sujeito falante. Com esta relação, haverá a presença da dialogia proposta por Bakhtin. Nesse caso,
É imprescindível negar a possibilidade de concepção do “sujeito-coisa”, uma vez que este não permanece sujeito inalterado; pelo contrário, só permanece sujeito tendo voz particular, expressiva, a partir da engrenagem que se movimenta continua e freneticamente, “coando” as vozes alheias que são sugadas a todo instante, no processo de “experiência interacional”, por uma consciência que se constitui no “eu-a-mim-mesmo-que-não-posso-ver”. (BRASIL, Rosa IN BRASIL; TAVARES; FILHO, 2011,38).

Visto que por vezes não há conexão entre o aluno e o tema proposto pelo professor, as “vivências” (estéticas) tornam-se grande aliadas no contato desse aluno com o desconhecido, fazendo com que ele fique mais próximo de seu objeto de estudo, proporcionando a sua entrada em diferentes “outros”, fazendo-o experimentar o universo do qual fará sua produção. Nessas condições é importante que o professor atente para o processo dialógico, percebendo as inclinações pessoais de seus aprendizes. Sendo assim, a escolha das propostas de redações e vivências terá um impacto positivo no desempenho dos alunos, propiciando produções textuais com maior beleza estética.
Perceber esteticamente o corpo significa vivenciar os estados interiores do corpo e da alma a partir de uma expressividade exterior. Podemos formulá-lo assim: o valor estético se realiza quando o contemplador se aloja dentro do objeto contemplado, quando vivencia a vida do objeto de seu interior e quando, no limite, contemplante e contemplado coincidem. (BAKHTIN, 1997, p. 80)

Na experiência ocorrida no projeto Entreletras, fizemos muitas indagações sobre o que teria dado errado. Porque a queda de rendimento? O que foi diferente de uma vivência para outra? Porque tanta dificuldade para desenvolver o tema da “Cidade Velha”? Até que observamos em conjunto que havia uma única grande diferença entre as vivências citadas, a “vivência dos Mendigos” considerava a condição do outro, do humano, trazia para nós, participantes do projeto, um assunto de nossa realidade, de nossa experiência de vida. A “vivência da Cidade Velha” considerou mais o objeto (ex: prédios históricos), assim seria necessário que tivéssemos uma experiência de vida mais próxima deste lugar, que trouxessem lembranças de nossa própria existência. O que não era a realidade da maioria, ou seja, sem o outro e sem lembranças a produção da escrita tornou-se mais difícil, para muitos, até mesmo um fardo. Daí a importância de se desenvolver temas que tenham a ver com a realidade dos alunos envolvidos. Às vezes o insucesso na produção textual escrita não é do aluno, mas do tema escolhido pelo professor. Este, ao fazer suas escolhas, sejam elas quaisquer que direcionem-se à elaboração de produção textual, deve levar em conta a experiência vivida daquele que será o autor desse texto. Caso este não a tenha, e a necessidade do conhecimento temática seja importante, que lhe sejam oportunizadas as vivências, as “entradas no mundo”. Sem “entradas no mundo” não pode haver “entradas no texto”; sem “construção do mundo no mundo” não pode haver “construção do texto no texto”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRASIL, Rosa. Metatexto fílmico: a síntese simbólica. In BRASIL, Rosa; FILHO, José Sena; TAVARES, Mara (org.). Linguagem e imagem: entrelaçamentos indisciplinares (orgs). Belém (PA): L&A, 2011.
MACHADO, Irene. Os gêneros e o corpo do acabamento estético. In BRAIT, Beth. Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2 ed. rev., Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.

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