quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Anderson Simão Duarte

Relendo bakhtin[1]:  sinal e contrasinal: um processo dialógico na língua brasileira de sinais.
Anderson Simão Duarte[2]: andersonlibras@hotmail.com
MeEL[3]/UFMT

A Língua Brasileira de Sinais tem como norte a semiótica, no campo da visão e da percepção, tem-se a constituição na forma concreta como  palavras acabadas num campo espacial e visual.  Toda e qualquer palavra, chamaremos aqui de “sinal”, reage e funciona como conectivo de interação entre os usuários da língua. Tais sinais são possíveis no diálogo entrelaçando os valores sociais,culturais, logo, ideológicos.
            Cada sinal comporta-se de forma ímpar e irrepetível em seu sentido dialógico, o sinal carrega signos ideológicos em função de suas necessidades coletivas, políticas, religiosas, portanto, sociais.  A Língua Brasileira de Sinais constitui--se de sinais e contra-sinais no instante do intercâmbio entre os usuários natos, os surdos e/ou surdos com ouvintes. 
            Os enunciados são constituídos dialogicamente, logo, a compreensão dos sinais pelo outro está implicada no contexto, interação, intimidade, relação, afinidade e principalmente na inserção num dado contexto ideológico. Para que ocorra a concepção estabelecida entre os enunciadores, é necessário que todo e qualquer sinal seja constituído ideologicamente na interação social entre os usuários, conforme o teórico Vygotsky anuncia que o sujeito se constitui na atividade prática, sabemos que não há sujeito sem comunicação seja ela oral, visual  ou tátil, portanto, no enunciado concreto, esta prática ocorre no leito dialógico.
“O excelente da minha visão contém em germe a forma acabada do outro, cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar a originalidade. Devo identificar-me com o outro através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar o horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que cabe, mediante o excelente de minha visão, meu saber, de meu desejo e de meu sentimento”
(M Bakhtin).
           
A comunicação através dos sinais na Língua Visual ocorre graças à identificação dos signos ideológicos de cada sinal, constituídos em contextos diferentes, pois sabemos que nenhum sinal é adâmico, entretanto, com sentidos únicos conforme já mencionamos anteriormente.      Os sinais têm como bússola seus valores que perfazem os infinitos caminhos e direções que destinam os enunciados. Na educação, esta sopa ideológica é impreterivelmente essencial à compreensão entre aluno e professor, sabemos que não há aprendizado sem comunicação, logo, não há sinal sem contrasinal.
            Cada sinal pergunta e responde com outro sinal na interação, seja ele sinal manual ou não manual, ambos dependem da estrutura fundamental das Línguas de Sinais, a expressão facial e corporal, respaldada no campo semiótico.        O sujeito se constitui na agilidade prática, portanto, no enunciado visual e concreto. Vejamos uma frase formatada com inúmeros sentidos:  “Precisamos afeiçoar-nos à igreja de nossa mãe”.
            Na sentença acima descrita, poderemos ter inúmeros sentidos, o que definirá o sentido ideológico será a interação e o contexto em que será aplicada entre os comunicantes em língua de sinais. A estrutura semiótica da expressão facial constituída pelo enunciador é quem decidirá a verdadeira intenção discursiva e sentido de cada sinal em consonância com a necessidade de um contrasinal do outro.  Vejamos: 1) O enunciador poderá usar o espaço do outro e fazer uma expressão de, angústia, sacrifício e tédio quando construir os sinais, querendo do outro um contrasinal de apoio aos descontentamentos; 2) Poderá também ser formado os mesmos sinais com expressão facial neutra de forma imparcial, respeitando no outro o desejo ou não de irem à igreja, criando assim um contrasinal meramente de informação, ou ainda em 3) O emissor através do campo semiótico direcionar o outro à prática de frequentar a igreja, graças à expressão facial de contentamento e satisfação, direcionando assim a intenção de um contrasinal positivo à pratica de irem à igreja.
            Entendemos a expressão facial e corporal como entonação, segundo o teórico Bakhtin anuncia em alguns de seus textos. Esta entonação norteará os sinais e contra-sinais num contexto social e mais especificamente num contexto escolar. Como entendemos que não há aprendizado se não há comunicação no processo de ensino-aprendizagem, isto é, uma ausência de diálogo entre aluno e professor, como é possível ensinar ou aprender sem diálogo entre os pares? Segundo Bakhtin  “... aquele que pratica um ato de compreensão passa a ser participante do diálogo.” (1992:355).  O diálogo ocorre entre os comunicantes através dos signos ideológicos de cada sinal, se um dos comunicantes não esteja interado do contexto ou não conhecer as estruturas que envolvam o sinal, não terá compreensão, em consequência não haverá aprendizado por parte do aluno surdo.
            Segundo Bakhtin, não há palavra sem contra-palavra, entendemos que não há sinal sem contrasinal. Todo e qualquer sinal terá uma resposta, seja com outro sinal ou mesmo com a ausência de um sinal.  A omissão de resposta através de um sinal manual, o silêncio, a indiferença, o desprezo, o olhar, o levantar da sobrancelha, o franzir da testa, o recuar do canto da boca, tudo se comporta como uma resposta direta, portanto, um contrasinal.
            Na educação inclusiva, é imprescindível que o educador tenha conhecimento da Língua Brasileira de Sinais ao tratar com seu aluno surdo, pois um olhar direto ou um sorriso maroto tem seus valores ideológicos na cultura surda. Um simples olhar se constitui de um diálogo ensopado de valores ideológicos e reais, pois os sinais são produtos vivos. O professor precisa entender que o sinal é o elo da consciência do sujeito com o mundo externo:
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009[1929], p. 137).
           
O se fazer compreender através dos sinais é se fazer entender à resposta do outro, tornando-se legível os sinais ideológicos. A educação inclusiva reflete o deslocamento do eu no lugar do outro, é entender a forma de comunicação do outro através dos sinais espaciais, é o aguçar da visão numa perspectiva dialógica através da imagem externa, porém, intima do outro.
            Portanto, não há sinais sem responsibilidade, sem resposta imediata de interação num dado enunciado concreto, a cada sinal enunciado haverá sempre um contrasinal construindo assim uma ponte entre os enunciadores de forma interacional, ponte esta, ligando-os através dos signos ideológicos respondíveis.

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[1] Relendo Bakhtin (REBAK) é um grupo de Estudos coordenador pela professora doutora Simone de Jesus Padilha e que tem a participação de alunos da pós-graduação em estudos de linguagens do MeEL-UFMT.
[2] Aluno do Programa de Pós-graduação em estudo de Linguagens MeEL/UFMT, orientado pelas professoras doutoras Simone de Jesus Padilha e Cláudia Graziano Paes de Barros.
[3] Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem/UFMT.

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