quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Maria Cristina de Lima

Alfabetização como uma resposta responsável: o compromisso com a criança
Maria Cristina de Lima
UFRJ/PPGE/LEDUC

“ Estas são as recomendações de alguém que começou a descobrir um bom dia – sem se dar conta- dos paradoxos da alfabetização: em uma aldeia de luz cegadora, a luz das terras brancas e secas do mês de maio, ensinava a ler uma menina por um dos métodos tradicionais habituais. Assim íamos, os dois, letra a letra do alfabeto. Ao chegar ao E, junto ao qual se havia desenhado um elefante, muito rápida, sem esperar minha leitura, disse “A”.
_  Não  _ corrigi _ se diz E. Esta é a letra E.
_ Não  _ persistiu _ se diz A. Isto é um “alefante”.
( FRAGO,1993)

Apresento-me com este texto com a intenção de sugerir algumas reflexões sobre as interações e interlocuções vividas por professores e alunos nos processos de alfabetização. Considerando que há uma demanda por uma discussão que pense as relações de ensino como processos que exigem situar quem são os sujeitos envolvidos e de que lugar falam e como possibilidades de compreender as aprendizagens que ali acontecem, gostaria de refletir sobre a alfabetização como uma resposta responsável, ou seja,  como um processo que envolve ações de sujeitos inseridos num contexto, agindo de forma a garantir um compromisso com a criança no seu processo de apropriação da leitura e da escrita.
Estas reflexões fazem parte da minha pesquisa de doutorado, desenvolvida na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do LEDUC/FE/PPGE/UFRJ, e se insere na pesquisa  "As (im)possíveis alfabetizações de alunos de classes populares pela visão de docentes na escola pública", coordenada pela professora Ludmila Thomé de Andrade. Refletindo sobre a produção discursiva escolar de crianças em processo de alfabetização analiso os processos de interação e interlocução vividos por crianças numa turma do primeiro ano do Ensino Fundamental numa escola pública, localizada numa das favelas da cidade do Rio de Janeiro. A linguagem nessa investigação tem um papel central, considerada assim, como constituidora dos sujeitos (Bakhtin;1988), investigo os discursos orais e escritos produzidos pelas crianças em seus processos de alfabetização( Smolka;1993). 
Para as reflexões aqui apontadas considero de fundamental importância uma discussão que possibilite revelar os sujeitos envolvidos,  suas escolhas e os percursos de trabalho desenvolvidos nas situações escolares de alfabetização. A trajetória de formação dos professores, suas opções metodológicas e os sentidos que a leitura e a escrita assumem na sala de aula podem revelar se o que ali acontece responde às aprendizagens das crianças.  Entendendo que a realização de um trabalho de alfabetização comprometido com a criança pressupõe ouví-la, compreendê-la e responder de forma a garantir sua aprendizagem, aponto a necessidade de uma discussão sob uma perspectiva de uma alfabetização responsável.  
Compreendendo a alfabetização como um processo discursivo (SMOLKA,1991), em que alunos e professor são sujeitos de discurso,  indico a importância de trabalhar com os discursos das crianças como possibilidade de mergulhar no contexto no qual estão inseridas, - a escola e a cultura - para entender seus vários modos de se dizer e assim, comprometer-se com suas aprendizagens.
O compromisso com a criança no processo de alfabetização deve revelar o caminho percorrido pelo professor, processo singular, na busca do outro, criança, sujeito singular, favorecendo um percurso interativo e participativo, não indiferente, admitindo então, o compromisso com a aprendizagem. O professor assume assim, o lugar que ocupa como único, de forma responsável, com o percurso de aprendizagem da criança.
“O ato deve encontrar um único plano unitário para refletir-se em ambas as direções, no seu sentido e em seu existir, deve encontrar a unidade de uma responsabilidade bidirecional, seja em relação ao seu conteúdo (responsabilidade especial), seja em relação ao seu existir ( responsabilidade moral), de modo que a responsabilidade especial deve ser um momento incorporado de uma única e unitária responsabilidade moral. Somente assim se pode superar a perniciosa e a mútua impernetrabilidade entre cultura e vida.” (BAKHTIN;2010;p.43).

            Como é possível evidenciar o compromisso assumido com as crianças em seus processos de alfabetização? Aceitando a responsabilidade pelo processo de alfabetização. O professor, pela natureza da sua função institucional e socialmente estabelecida, assim como, pela condição da criança no processo, deve assumir o compromisso de procurar  e encontrar a criança e os seus discursos. Como? Encontrando a unidade da responsabilidade, como nos afirma Bakhtin, ou seja, a responsabilidade com o seu conteúdo e a responsabilidade com o seu existir, como responsabilidades únicas do sujeito responsável. A alfabetização responsável encontra a criança, os seus discursos e a sua cultura.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec. 1988.
_____________Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_____________ Para uma Filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos, Pedro & João Editores, 2010
FRAGO, Antonio Viño - Alfabetização na sociedade e na História: vozes, palavras e textos. Porto Alegre. ARTMED.  1993.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita. A alfabetização como processo discursivo. Cortez Editora, Campinas, SP. 1991. 10ª ed.
___________________________. A dinâmica discursiva no ato de escrever: relações oralidade-escritura. In: SMOLKA, Ana Luiza Bustamante e GOÉS Maria Cecília R .(Orgs.). A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas, Papirus, 1993

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