quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Lúcia Helena Schuchter, Gilberto Fernandes Ferreira

O ser humano-educador: resposta em construção na sociedade em transformação
Lúcia Helena Schuchter
E. M. Adhemar R. de Andrade / GRUPAR
Gilberto Fernandes Ferreira
E. E. Antônio Carlos

 Introdução: sobre ser resposta

A escritura de um texto sempre nos convoca: reagir frente a uma inquietação, instigar uma pergunta, provocar questionamentos, construir sentidos... apresentar uma resposta! Todavia, se o texto for sobre “resposta”?
Para ser/ter resposta é preciso ser/ter pergunta. É um processo imbricado-dialético-dependente em que uma não (sobre)vive sem a outra. Em um comercial veiculado pela mídia televisiva há uma assertiva: “As perguntas movem o mundo!” Diante delas, sejamos respostas!
Tal qual a Esfinge[1] que lança a pergunta e exige uma resposta, alertando: “Decifra-me ou te devoro!”, a sociedade e seus eventos exigem de cada ser uma postura, um ato[2], uma dissensão ou concordância. A partir do lugar de educadores, reconheçamos nossa obrigatoriedade de participarmos e agirmos, responsavelmente, frente ao evento-educação que nos convida: “seja resposta”.
1. Resposta em construção: atos e sentidos do ser-educador
Responsabilidade abarca, contém, implica necessariamente a alteridade perante a qual o ato responsável é uma resposta. João Wanderley Geraldi

Um texto não ignora nossa capacidade de produzir sentidos com nossa leitura. A pergunta não ignora a busca pela resposta. As palavras-signos para respondê-las estão latentes, tal qual semente onde jaz o futuro fruto. Resposta que jaz na pergunta. Perguntas e respostas criam um texto: refletido e refratado por cada sujeito que aceitou o desafio de perguntar e/ou responder.
Numa sociedade em transformação, globalizada, icônica, veloz, com um grande fluxo de informações, muitas vezes buscamos respostas que parecem conceber novas perguntas. Essas estão no mundo e ao optarmos por determinada(s) resposta(s) vamos tecendo nossa história - feita de escolhas! - e nos constituindo como sujeitos, na relação com o outro - alteridade!
Para Bakhtin, o sujeito se constitui socialmente. O ser humano-educador é sujeito socialmente inserido num meio historicamente construído. A educação é seu campo de ação, é seu (con)texto. Sua arma - seu texto-palavra - revela a capacidade de construir um conhecimento sobre sua realidade e ser resposta responsável frente a um mundo que o transforma e é por ele, dialeticamente, transformado: “A sociedade em transformação alarga-se para integrar o ser em transformação” (BAKHTIN, 1988, p.136).
A educação (para a qual transponho alguns conceitos bakhtinianos) para ter o sentido de resposta responsável necessariamente carece de estar imbuída de um caráter de alteridade, enquanto situação de interação verbal, de produção de linguagem. O educador provoca no outro – o educando – a responsividade, incitando respostas, gerando movimento, mudança. Justifica-se, desta maneira, adjetivá-la como dialógica e classificá-la como uma esfera de comunicação, onde: “Pergunta e resposta não são relações lógicas [...]; toda resposta gera uma nova pergunta. [...] Se a resposta não gera uma nova pergunta, separa-se do diálogo e entra no conhecimento sistêmico, no fundo impessoal” (BAKHTIN, 2003, p.408). O diálogo que permeia toda a atividade de educação faz das aulas momentos de aprendizagem para os nelas envolvidos, onde nossa incompletude/necessidade do outro fica evidente, como nos esclarece Freitas (1997):
...sem ele (o outro) o homem não mergulha no mundo sígnico, não penetra na corrente da linguagem, não se desenvolve, não realiza aprendizagens, não ascende às funções psíquicas superiores, não forma a sua consciência, enfim, não se constitui como sujeito. (p. 320)

O diálogo, no conceito bakhtiniano, é toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja e que, em recorridas vezes, faz emergir tensões, conflitos, contradições, pois somos constituídos no plural das vozes, das crenças, dos valores, das experiências, vividas e tecidas nas relações sociais. Assim, o coletivo nos forma, mas refletimos e refratamos de maneira diferente do outro:
O eu e o outro são, cada um, um universo de valores. O mesmo mundo, quando correlacionado comigo ou com o outro, recebe valorações diferentes. (...) E essas diferenças são constitutivas dos nossos atos e enunciados. (...) Vivemos e agimos num mundo no interior do qual cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente responsivo num processo incessante e contínuo. (FARACO, 2003, p.22-3)
Convém ressaltar que a relação dialógica/discursiva entre educador e educando é – para ser responsável - uma compreensão ativa (que provoca uma ação/reflexão) e responsiva (que provoca uma resposta) da realidade onde os sujeitos se inserem, provocando reflexões, refrações, novos atos, sentidos e transformações naqueles que dela participam. Bakhtin (2003) sinaliza:
De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa; toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor. (...) A compreensão responsiva nada mais é senão a fase inicial e preparatória para uma resposta (seja qual for a forma de sua realização). O locutor postula esta compreensão responsiva ativa: o que ele espera, não é uma compreensão passiva (...) o que espera é uma resposta, uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc. (p.271-2)

Essa dinâmica do diálogo - condição que torna possível uma resposta - está ligada intimamente à vida, à busca - permanente e construtiva – por uma resposta que a existência possibilita e exige. A vida transcorre, assim como o tempo. A educação deve refletir as características desse tempo sócio-histórico onde se insere. Estamos, hoje e sempre, num período de transformações em vários setores: nas formas de comunicação, aprendizagem, relacionamento humano, acesso às informações e o ser-educador precisa acolher as mudanças e ser responsável pelo que faz, em resposta à sua função-singularidade-dever. Conforme Bakhtin (2010) evidencia:
(...) é apenas a relação com o contexto único e singular do existir-evento através do efetivo reconhecimento da minha participação real nele, que o torna um ato responsável. E tudo em mim – cada movimento, cada gesto, cada experiência vivida, cada pensamento, cada sentimento – deve ser um ato responsável; é somente sob esta condição que eu realmente vivo. (p.101)

Palavras finais... para início de conversa Não há uma palavra que seja a primeira ou a última e não há limites para o contexto dialógico (...). Nada está definitivamente morto: cada sentido terá sua festa de ressurreição. Problemas do grande tempo. Mikhail Bakhtin


 Não podemos dar a primeira nem a última palavra em relação a todos os sentidos possíveis na edificação de uma resposta (em construção).
Frente a uma realidade social em constante transformação, atribuímos sentidos, realizamos atos, construímos respostas: caminho do ser-educador responsivo-responsável, que se constrói dia-a-dia, na conjunção entre seus desejos e possibilidades. O educador precisa ser pesquisador, lutar por melhores condições de trabalho, por acesso às tecnologias, por instauração de políticas públicas plausíveis; executar as reflexões e mudanças necessárias para melhorar a qualidade da educação, buscar um conhecimento compatível com a complexidade, os desafios e as necessidades da sociedade, das escolas e dos alunos. Destarte, diante do dinamismo do conhecimento e da sociedade, nós, educadores-responsáveis devemos sempre perseguir uma (trans)formação continuada, sermos “atos” e “atores”, singulares, na efetivação da escola que queremos, e, para isso, agimos: “O ato responsável é, precisamente, o ato baseado no reconhecimento desta obrigatória singularidade. (...) porque ser realmente na vida significa agir.” (BAKHTIN, 2010, p.99, grifo nosso)
A nós, educadores, cabe a tarefa de refletir e refratar outras muitas vezes, para encontrarmos uma resposta (que responsável) seja satisfatória. Inconcebível a não-resposta. Impossível a resposta passiva. Dispensável afirmar que o único modo de ser-no-mundo é sendo resposta (responsável), forma singular de estar-no-mundo. Afinal, como nos sussurra Bakhtin: “Ser é comprometer-se.”

 

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3ª ed. SP: Martins Fontes, 2000.
_____. (VOLOSHINOV) Marxismo e filosofia da linguagem. 4ª ed. SP: Hucitec, 1988.
_____. Para um Filosofia do Ato Responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
_____. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal 2ª. ed. SP: Martins Fontes, 1997.
FARACO, Carlos A. Os gêneros do discurso. In: Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003.
FREITAS, M. Teresa A. Nos textos de Bakhtin e Vygotsky: um encontro possível. In: BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
GERALDI, João Wanderley. Alteridades: espaços e Tempos de instabilidades. In: NEGRI, Lígia, FOLTRAN, Maria José e OLIVEIRA, Roberta Pires de (orgs). Sentido e significação: em torno da obra de Rodolfo Ilari. 1ª ed. SP: Contexto, 2004.


[1]A Esfinge foi um importante tema mitológico nas antigas civilizações do Egito e da Mesopotâmia. Possuía cabeça de mulher, corpo de leão e asas de  águia. Conta uma lenda grega que essa figura monstruosa, enviada por Hades ou Hera, invadiu Tebas destruindo os campos e afugentando os moradores. A criatura propôs a se retirar do local se alguém conseguisse decifrar o seu enigma, porém aquele que não o decifrasse seria devorado – decifra-me ou devoro-te!. Seu Enigma era: "Que animal caminha com quatro pés pela manhã, dois ao meio-dia e três à tarde e é mais fraco quando tem mais pernas?" Édipo, filho do rei de Tebas e assassino inconsciente de seu próprio pai, solucionou o mistério. Ao ver seu enigma solucionado a Esfinge suicidou-se, lançando-se num abismo, e Édipo, como prêmio, recebeu o Reino de Tebas e a mão da rainha enviuvada, sua própria mãe”. ( http://www.nte-jgs.rct-sc.br/~maismatematica/Desafios/enigmas_da_esfinge.htm)
[2] Ato (Postupok, que contém a raiz stup “passo”): passo, iniciativa, movimento, ação, tomada de posição; caracteriza o dever de responder responsavelmente, a partir do lugar que se ocupa no mundo. (BAKHTIN, 2010)

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