quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Lidiane Costa dos Santos

Ensinar: um ato responsável
Lidiane Costa dos Santos –UFPA

O professor medíocre diz. O bom professor explica. O excelente demonstra. O magnífico inspira (William Arthur Ward).

O ato de ensinar, a princípio, parece uma tarefa simples. Imagina-se o professor, considerado superior e seus alunos sentados fazendo seu papel de aprendizes. Se perguntássemos no que se baseia a relação professor- aluno a resposta seria fácil: alguém que ensina e alguém que aprende. É trivial pensar que essa relação e a atividade de aprendizado se resumem a isso.
Segundo Paulo Freire (1996) “quem ensina ensina alguma coisa a alguém”. Não se pode considerar o processo de aprendizagem como uma prática isolada, pelo contrário, deve ser vista como uma prática social que envolve o contexto de vida tanto do professor quanto do aluno. Ensinar exige muito mais que conhecimento. Exige dedicação, e por que não dizer amor? Ser professor não é uma simples profissão, mas está além disso.
“Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa” (Freire, 1996). Quem deseja ser um bom professor terá consciência de que será também um aluno,portanto aprendizagem parte dos dois indivíduos envolvidos na situação-professor e aluno. Isso fica mais claro quando se pensa no ensinar não apenas como o ministrar de aulas, todavia enxergar o professor como um agente que contribui para formação do caráter de seu aluno. Infelizmente para alguns a concepção antiga de que o professor é o detentor do conhecimento ainda existe e o contempla como aquele que transmite conhecimento, considerando o educando apenas como um de “depósito” de dados. Nessa concepção os alunos são meros repetidores do que ouvem e realizam as atividades que o professor manda.
Na visão interacionista e dialógica, proposta por Bakhtin, pode-se entender o aluno não como um mero reprodutor de ideias, pois nesse caso ele seria um sujeito passivo, mas deve-se compreendê-lo com um sujeito ativo no processo de aprendizagem, assim como o professor, ele age. O educando constrói seu conhecimento a partir da ajuda e da ação do professor, assim o aluno é respeitado e também responsabilizado pela sua formação:
“Cada um de nós ocupa um lugar e um tempo únicos na vida, uma existência que é concebida não como um estado passivo, mas ativamente, como um acontecimento”. (BAKHTIN, 1998.p.90).
O evento do ser (...) é nesse sentido o ato concreto e dinâmico de instauração do ser no mundo, de apresentação do ser à consciência dos sujeitos, destacando-se nessa formulação que a consciência apreende o ser como evento, ação, do ser, como postulado, e não, de modo essencialista, ou teorético, como conteúdo, como dado, e que a consciência se orienta com relação ao ser tomando-o como evento, não como substancia. (BRAIT, p. 27).
Nessa visão o ensinar é o processo que facilita o aprendizado do aluno, no entanto não se resume a isso, o ensinar é provocar, instigar, despertar a curiosidade porque simplesmente o professor não sabe todas as respostas, nunca será o detentor da verdade. Aquele que abraça a ideia de interação terá como tarefa: fornecer um ambiente agradável para o aprendizado, respeitar o espaço do aluno, ouvi-lo, conduzi-lo à formação de uma consciência crítica:
“Conceber o ato de ensinar como ato de facilitar o aprendizado dos estudantes faz com que o professor os veja como seres ativos e responsáveis pela construção de seus conhecimentos, enquanto ele passa a ser visto pelos alunos como facilitador dessa construção, como o mediador do processo de aprendizagem, e não como aquele que detém os conhecimentos a seres distribuídos” (OLIVEIRA, 2010.p. 29).

Deve-se compreender a atividade do ensinar como um ato responsável, pois além de ministrar o professor influencia, motiva, contribui, mas também fere, destrói. Para Bakhtin, o sujeito “não tem álibi na existência”, então o professor como observador, como agente, é absolutamente responsável ao ensinar e tem o compromisso de que seu ato seja exercido com responsabilidade:
“Cada um de meus pensamentos, com o seu conteúdo, é um ato singular responsável meu; é um dos atos de que se compõe a minha vida singular inteira na sua totalidade pode ser considerada como uma espécie de ato complexo: eu ajo com toda a minha vida, e cada ato singular e cada experiência que vivo são um momento do meu viver-agir”. (BAKHTIN, 2010.p. 44)

Na perspectiva bakhtiniana a relação entre eu e o outro é totalmente dialógica. O professor e o aluno são dois seres diferentes que interagem no ato responsável de ensinar. O educador se propõe a compreender o aluno, pois só assim é possível estabelecer a relação de alteridade. Para Bakhtin, o processo de alteridade é a tentativa de compreensão do outro, se colocar no lugar do outro, mas sem ser o outro, porque cada ser ocupa um lugar único na existência: “Cada um de nós tem a capacidade de ser único, o que torna os seres humanos, em termos de espécie, únicos (BAKHTIN, 1998.p.92).
Nesse processo o professor “se enxerga” no outro (aluno) compreende as dificuldades do aluno, procurando ajudá-lo dentro de suas possibilidades. Essa relação de alteridade surge no meio social, pois eu existo a partir da relação com o outro, não consigo enxergar a mim mesmo, por isso trata-se de uma relação interativa, eu preciso do outro e isso é fundamental no espaço sala de aula. Cada indivíduo assume uma posição que consegue contemplar o outro e assim constituir-se no mundo, pois não é na categoria do eu, mas do outro que posso vivenciar, a partir do momento que o indivíduo se constitui, ele se altera, nesse caso pode-se dizer que o professor muda diante do outro (aluno). O eu só existe a partir do outro.
Nota-se que no processo de formação do sujeito é fundamental que se considere o ser como inacabado. Segundo Freire (1996) ensinar exige a compreensão do inacabamento: “Onde há vida, há inacabamento”, assim como para Bakhtin o sujeito é contemplado como inacabado, portanto vive o processo de constituição diante da interação com os demais indivíduos, ressaltando que esse só existe por causa dos outros. Freire afirma: “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História”. Essa relação dialógica permite a interação entre os seres. O professor reconhece a noção de inacabado e diante de seus alunos observa as possibilidades de novos caminhos:
“Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer” (FREIRE, 1996.p 135).

O ato exige uma respondibilidade. Ao ensinar o professor é atuante e responsável, ele deve estar atento ao aprendizado do aluno, promovendo a interação e dessa forma o professor aceita a importância do aluno e vice-versa, um compreende a importância do outro, pois o professor sabe que o aluno ainda não domina determinado conteúdo e o aluno reconhece a atenção dada pelo educador e passa a confiar nele, isso ocorre quando um se dispõe a sair por um momento de sua posição para enxergar o outro:
“O excedente de visão é o broto em que repousa a forma e de onde ela desabrocha como uma flor. Mas para que esse broto efetivamente desabroche na flor da forma concludente, urge que o excedente de minha visão complete o horizonte do outro individuo contemplado sem perder a originalidade dele eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir  desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento” (BAKHTIN, 2003.p.23)

Cabe ao professor a responsabilidade de ensinar ao aluno o que esse desconhece. Ele ensina mais que conteúdos, ensina para a vida. O professor não deve ser aquela figura ditatorial na sala de aula, mas um indivíduo democrático que cria um espaço ao educando para que se sinta a vontade para dialogar, expor ideias. De acordo com Freire (1996): “o espaço do educador democrático, que aprende a falar escutando, é cortado o silêncio intermitente de quem, falando cala para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala”.
Se o professor cala, silencia o aluno e estaríamos regredindo na educação. Não se pode considerar que tudo dito pelo educador na sala de aula está correto e, portanto, nunca deve ser questionado, pelo contrário, o próprio professor deve estabelecer a liberdade para o aluno intervir contribuindo para o desenvolvimento das aulas, afinal deve-se considerar que o educando sempre tem uma palavra, um discurso, uma opinião, ele não é passivo e o professor deve despertar e motivar seu aluno a falar nas aulas, a fim de que seja participativo, assim o professor receberá uma resposta de seu trabalho, ainda que silenciosa, pois segundo Freire o silêncio no espaço da comunicação é fundamental e pode-se afirmar que é uma resposta. O fato é que sempre há uma resposta:
“quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda. É intolerável o direito que se dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como proprietário da verdade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela” (FREIRE, 1996.p. 117).

Além de tudo dito anteriormente, o professor precisa ser alguém que acredita no ensinar como um ato responsável, acreditando sempre na obtenção de uma resposta do aluno:
“a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: [...] o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar”.  (BAKHTIN, 1992.p. 290)

O ato de ensinar é singular, pois é um trabalho com gente(s), assim afirma Paulo Freire: “Foi sempre como prática de gente que entendi o que-fazer docente”. O papel do professor é tentar compreender o aluno, ajuda-lo nas dificuldades reconhecendo-o como ser agente e não passivo. O docente deve acreditar no que faz. Ensinar exige dedicação contínua, afetividade, alegria, respeito, responsabilidade.

Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
________________. Para uma filosofia do Ato Responsável. São Carlos- SP, Pedro & João Editores, 2010. 155p.
CLARK, K.; HOLQUIST, M. Arquitetônica da Respondibilidade. In: BAKHTIN, Mikhail. S. Paulo: Perspectiva, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. p.24-30.
Palavras e contrapalavras: conversando sobre os trabalhos de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. 128 p.
SOBRAL, Adail. Ato/ Atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos chaves. São Paulo: Contexto, 2005.p.108.

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