quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Maria Fernanda van Erven

Educação em museus: sentidos e significados em “diálogos” bakhtinianos
Maria Fernanda van Erven
Mestranda PPGE-UFJF

O círculo de Bakhtin conheceu, por volta de 1925/1926, uma virada lingüística, isto é, a questão da linguagem passou a ser central em suas reflexões e reorientou todos os trabalhos posteriores. A perspectiva do círculo de Bakhtin era de ir além da lingüística, propondo desta forma, uma translingüística ou metalingüística. Desta forma, Bakhtin/Voloschínov realizam em “Marxismo e Filosofia da Linguagem” uma crítica consistente ao objetivismo abstrato e ao subjetivismo idealista que limitam a linguagem ora a um sistema abstrato de normas (objetivismo abstrato) ou a enunciação monológica isolada (subjetivismo ideológico).
Dentro do subjetivismo idealista que possui como principal representante Saussure, o fenômeno lingüístico é visto como um ato de criação individual, desta forma a vida exterior e a vida interior são dicotomizadas e o interior, o lado subjetivo é priorizado. No objetivismo abstrato, que possui Humboldt como um dos seus principais representantes, a língua é vista como um produto acabado que é transmitido através de gerações. Assim, o fator normativo prevalece sobre o caráter mutável da língua. Desta forma, onde estaria o verdadeiro núcleo da realidade lingüística? De acordo com Bakhtin/Voloschínov (2009: 127),
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constituí assim a realidade fundamental da língua.

Neste sentido, Bakhtin/Voloschínov avançam ao considerarem a língua como um produto histórico-social e que está em constante mudança. De acordo com os autores “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta” (Bakhtin; Voloschínov, 2009: 128).
A grande mudança proposta pelo círculo e que não estava presente anteriormente nas duas teorias é ter por base na lingüística a enunciação. Nesta lógica, todo arcabouço criado por Bakhtin se ancora firmemente na sua “teoria enunciativa da linguagem” que representa dentro da perspectiva histórico-cultural uma possibilidade de abordagem.
Neste sentido, utilizarei para discutir a educação em museus e mais especificamente a relação de não-pertencimento e não identificação dos sujeitos com os objetos musealizados e com o espaço museológico o conceito de sentido e significado.
Bakhtin afirma que sentido não é um fenômeno lingüístico, pois pertence ao enunciado/discurso. Desta forma, podemos considerá-lo infinito, pois a cada enunciação este sentido pode ser inúmeras vezes recriado. Enunciado seria “o ato de fala ou mais exatamente, seu produto”, sendo esta de natureza social (Bakhtin; Voloschínov, 2009: 113)
Entendo que dentro do processo de significação atribuídos aos objetos dentro do museu o que encontramos é um movimento dialético constante. Afinal, dentro do próprio significado existe uma potência de sentido.
Na obra “Marxismo e Filosofia da linguagem” de Bakhtin/Voloschínov, a palavra sentido aparece enquanto tema, porém como nos foi explicitado pela professora e pesquisadora Maria Teresa Assunção Freitas[1] essas palavras dentro da obra seriam sinônimos. De acordo com Bakhtin/Voloschínov (2009)
O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ele pertence. Somente a enunciação tomada em toda sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema. Isto é o que se entende por tema da enunciação” (p.134).

Por significação, diferentemente do tema, entendemos os elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos”. (Idem, ibidem)

Ao considerarmos que o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados ligados a cada campo da atividade humana (Bakhtin, 2003) e que sentido e significado estão presentes a cada enunciação sendo concretos como o momento histórico ao qual pertencem podemos refletir sobre a imensa trama que é tecida em torno do museu.
O museu enquanto uma instituição dotadamente política já possui em seu bojo todo um arcabouço de sentidos e significados que não devem ser tidos como ingênuos, pois estes representam com clareza a cultura política do momento. Nesse sentido, para entendermos o discurso museológico devemos levar em consideração o lugar enunciativo do sujeito e seus gêneros[2] próprios.
De acordo com Cabral (2006: 12),
No discurso museológico, onde os objetos adquirem uma função “signica”, esse discurso, como todo e qualquer um, é caracterizado por um conteúdo, um sentido e um valor expressivo e, nesse caso, a partir do ponto de vista do(s) profissional(is) do museu. È, portanto ideológico. Tal reflexão acaba, inclusive, com a falácia, consequentemente, também não pode persistir: a de que uma exposição é neutra, a-política, pois todo ser humano é um ser político, com suas idéias e concepções de mundo.

No entanto, cada sujeito visitante ao deparar-se com uma exposição e/ou com os objetos expostos cria uma rede de sentidos e significados para aquilo que ele está vendo/sentindo/experimentando. Estes sentidos que são atribuídos aos objetos são individuais, na medida em que estes refletem e refratam o contexto em que o indivíduo esta inserido. Nessa lógica, essa rede encontra ressonância dentro do museu, ou o discurso museológico é imposto como sendo a única forma possível de leitura daqueles objetos? Os discursos são sobrepostos, monovalentes ou de fato estamos diante do dialogismo[3] no sentido bakhtiniano do termo?
A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra em um mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico, isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que pode dela se afastar. (Bakhtin, 1988: 88 apud Fiorin, 2006: 18)

De acordo com Faraco (2009: 61), “as relações dialógicas, no entanto, não coincidem de modo algum, é claro, com relações entre réplicas do diálogo concreto – elas são muito mais amplas, mais variadas e mais complexas.
Ao levarmos em consideração que todos os participantes do discurso tecido nos museus (o próprio museu e os visitantes) possuem uma função ativa e responsiva devemos conjeturar que “toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante” (Bakhtin, 2003, p.271). Nessa lógica, existe dentro dos museus um espaço aberto às respostas dos visitantes? Podemos falar em “comunicação museológica” ou de uma heterograsia[4]?

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética e criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e a filosofia da linguagem. 4 ed. São Paulo: Hucitec, 2009.
CABRAL, Magaly. Oficina da palavra e do objeto. Fortaleza. Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, Museu do Ceará, 2006 (Cadernos Paulo Freire, v. 10).
FARACO, Carlos Alberto. Criação ideológica e dialogismo. In: Linguagem e Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo Bakhtin. S. Paulo: Parábola Editorial, p.45-61, 2009.
FREITAS, M.T. Bakhtin e a psicologia. In: FARACO, C.A; TEZZA, C.; CASTRO, G. (Org.) Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR, 2007, p.141-159.
FREITAS, M.T. Bakhtin: Bakhtin e a psicologia. In:  Vygotsky e Bakhtin- Psicologia e educação: um intertexto. São Paulo: Ática, 2003, p.125-131.


[1] Essa informação nos foi concedida pela professora no dia 01/06/11 durante a disciplina “Processo de pensamento e linguagem”.
[2] “Tanto para Medvedev quanto para Bakhtin, envolver-se em determinada esfera da atividade implica desenvolver também um domínio dos gêneros que lhe são peculiares. Em outras palavras, aprender os modos sociais de fazer e também aprender os modos sociais de dizer (FARACO, 2009,p.131). De acordo com Bakhtin (2003) “A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se á medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa” (p.279)
[3] Dialogismo, dentro da obra do círculo, não representa apenas um conceito e sim uma categoria filosófica.
[4] Polifonia: conjunto de vozes independentes com o mesmo poder e convivem no mesmo espaço. Como este termo trás em sua composição muito conflito, pois pertence a literatura e não a linguagem Bakhtiniana optei pelo termo herograsia. O termo polifonia foi utilizado por Bakhtin uma única vez na obra “Problemas da poética de Dostoievski”.

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