quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Rilza RodriguesToledo

Enunciação e argumentação: a teoria de bakhtin e o ensino da língua materna
Rilza Rodrigues TOLEDO[1]

RESUMO
Neste trabalho pretende-se apresentar uma discussão sobre enunciação e argumentação com base na teoria da enunciação de Bakhtin, uma vez que a argumentação é inerente ao princípio dialógico dos enunciados, considerando que todo enunciado pressupõe a existência do outro na constituição discursiva e isso significa ir além da compreensão e das respostas aos enunciados. Partindo do princípio de que enunciar é agir sobre o outro, nota-se uma relação com uma questão referente à dificuldade de compreender um enunciado e elaborar o discurso verbal, especialmente em contextos formais, mesmo diante de gêneros que circulam socialmente, nota-se certo distanciamento de situações corriqueiras. Uma categoria relevante para essa discussão é a de linguagens sociais, considerando que as diferenças entre elas se dão no plano de diferentes textualidades, isto é, de diferentes modos de argumentar. Dessa forma o conceito de linguagem formulado pelo círculo de Bakhtin, sendo o referencial teórico, possibilitaria exercitar a leitura e a compreensão de tipos e gêneros textuais diversificados visando à aprendizagem significativa .
Palavras-chave: Bakhtin. Enunciação. Argumentação. Tipos e Gêneros Textuais .

INTRODUÇÃO
Estudar a linguagem significa ir além das estruturas linguísticas para analisar o sentido do discurso, uma vez que este, enquanto um processo ativo de retomada e de tranformações se produz de forma dinâmica numa situação de enunciação única. Segundo afirmam DIONÍSIO; MACHADO; BEZERRA (2002, p.167) “o sentido não está nas formas da língua, mas num conjunto de semiologias, ou seja, de elementos produtores de sentido, que se atualizam na interação”, seja esta verbal ou não-verbal. Percebe-se a existência de uma complexidade para a produção de sentidos, incluindo os elementos verbais e não verbais, uma série de não-ditos, fragmentos de textos resultantes de inferências como consequência de conhecimentos compartilhados.
Considerando o homem um ser essencialmente social, é por meio da linguagem que ele interage com os outros, uma inter-relação entre língua e sociedade. Percebe-se na relação entre o “eu” e o “ tu, uma espécie de jogo em que essas relações praticadas são determinadas pelos objetivos poropostos pelos interlocutores, o que os leva a representar de modo peculiar, a mesma realidade. Portanto a linguagem só pode ser compreendida se houver acesso a seus elementos constitutivos como: participantes, lugar, tempo e propósito comunicativo de convencer, responder, criticar, persuadir, já que toda ação incide sobre o outro.

A RELAÇÃO INTERLOCUTIVA
 É na relação interlocutiva que se constituem os sujeitos e a linguagem, o que permite inferir e chamar de interação verbal, pois a determinação de sentido nos discursos se realiza no contexto dessa interação. A linguagem é instrumento para articular as relações estabelecidas entre o homem e o mundo, veicular as informações utilizando-se de diversos tipos e gêneros textuais, permitindo ao indivíduo manifestar sua visão de mundo. A partir da concepção bakhtiniana da linguagem, sendo esta de natureza dialógica, o outro participa da construção do significado, compreende no sujeito um conjunto de relações sócio-históricas. “Contrárias às dicotomias presentes nas concepções de linguagem Bakhtin arquitetou suas teorias em um entrelaçamento entre sujeito e objeto, propondo uma síntese dialética imersa na cultura e na história” (FREITAS, 1997,p. 316).
Bakhtin desenvolve o conceito de dialogismo como o elemento que instaura a natureza interdiscursiva da linguagem na medida em que diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso (FOULCAULT, 1988), existente entre os diferentes discursos que configuram cultura e sociedade. Este torna-se elemento representativo das relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos, em “contextos que não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito” (BAKHTIN, 1981, p. 96).
Para Bakhtin, “a consciência é engendrada pelas relações que os homens estabelecem entre si no meio social através da mediação da linguagem” (BLANCK, 1996, p.42). A interação é fundamental, pois o conhecimento é construído nas relações interpessoais, “não simplesmente a transferência de uma atividade externa para um plano interno, preexistente, de consciência, mas o processo no qual esse estágio interno é formado” (Ibid., 1996, p. 45). A busca das formas de produção de sentido, da significação, e as diferentes maneiras de surpreender o funcionamento discursivo “impeliram Bakhtin na direção de uma estética da linguagem”(...)um elevado grau de sistematização e não deixaram de examinar também a “sistematicidade do discurso cotidiano” (BRAIT,2005, p.87).
Bakhtin atenta para o fato de que o discurso verbal só pode ser compreendido no contexto social que o engendra, não existindo isoladamente na medida em que participa do fluxo social em um constante processo de interação e troca com outras formas de comunicação (BRANDÃO, 1997), afirmando que o conhecimento compartilhado dos participantes, seja no contexto social ou histórico em que “relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados, são entendidas como heterogêneas, contraditórias, e em fluxo, constituintes das práticas discursivas” (ORLANDI, 2001, p. 21).

DIALOGISMO: LINGUAGEM E INTERAÇÃO
A linguagem como interação introduz um aspecto fundamental na compreensão - o dialogismo[2]. Nota-se que o enunciado é uma resposta ao já-dito, seja em situação imediata ou em contexto mais amplo.Trata-se da relação entre enunciado com o que foi dito sobre o mesmo assunto e com o que suceder na “corrente ininterrupta da comunicação verbal”( BAKHTIN,1997). Interpreta-se o dialogismo como elemento que instaura a natureza interdiscursiva da linguagem, na medida em que diz respeito “ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, que existe entre os diferentes discursos que configuram a comunidade, a cultura, a sociedade” (BRAIT, 1997, p. 98).
Para Bakhtin, o diálogo como princípio constitutivo nas relações que os sujeitos e seus discursos estabelecem na sociedade, permite o interagir de muitas formas, não somente face a face e muitas vezes, a dificuldade de compreensão se manifesta, impedindo o sujeito de produzir mesmo diante de gêneros que circulam socialmente, notando-se certo distanciamento de situações corriqueiras, dificultando o ensino e a parendiazagem.
O dialogismo é a condição de sentido do discurso, a ligação entre a linguagem e a vida social, enquanto o enunciado é o objeto de significação e de cultura, organizado e estruturado, analisado nas relações internas e externas. Para Bakhtin todas as esferas da atividade humana estão relacionadas à utilização da língua e se organiza em forma de enunciados concretos e únicos orais e escritos em que reflete as condições específicas e as finalidades de cada esfera social. Dessa forma o conceito de linguagem formulado pelo círculo de Bakhtin, sendo o referencial teórico, possibilitaria exercitar a leitura e a compreensão de tipos e gêneros textuais diversificados visando à aprendizagem significativa no ensino da língua materna.
O ser humano constitui-se na e por meio da alteridade, e todas as atividades e funções por ele desempenhados, “nas mais diversas esferas do mundo social, encontram-se impregnados do discurso de outrem” (FAIRCLOUGH, 1992) Infere-se que a interação é ponto central no processo de constituição da consciência e no modo como os discursos se constituem enunciar é argumentar. A argumentatividade da linguagem seria inerente ao princípio dialógico, já que todo enunciado é produzido na direção do Outro. “Não só compreendemos a significação da palavra enquanto palavra da língua, mas também adotamos para com ela uma atitude responsiva ativa. A entonação expressiva não pertence à palavra, mas ao enunciado”(BAKHTIN, 1992, p.310). A escolha da palavra parte das intenções que presidem ao todo dos enunciados, mais e menos argumentativos, dependendo das condições de produção do discurso e das características e objetivos próprios aos gêneros utilizados“[...] o enunciado daquele a quem respondo é já-aqui, mas sua resposta é porvir” (Ibid., 1992, p.321). Enquanto se elabora o enunciado, tende-se a determinar essa resposta de modo ativo que “determina a escolha do gênero do enunciado, a escolha dos procedimentos composicionais e, por fim, a escolha dos recursos linguísticos” (BAKHTIN, 1992, p.321).
Observa-se que a natureza dialógica da linguagem envolve postular que o locutor é em certo grau respondente, ao pressupor “não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas a existência dos enunciados anteriores, aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação, fundamenta-se neles, polemiza com eles”(BAKHTIN, 1992, p.291). Se o enunciado do locutor contém o germe da resposta, o processo de compreensão de enunciados envolve a orientação do ouvinte em relação a ela, contextualizando-a, levando-o a produzir outras palavras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enunciar é agir sobre o Outro e argumentar significa ir além de compreender e responder aos enunciados. A argumentação estaria enraizada na construção dos signos, dos gêneros do discurso e das linguagens sociais, pois quando se apropria de palavras dos outros, apropria-se também do tom apreciativo. Nesse jogo estrutural dos sentidos, deve-se buscar a interpretação ativa frente a uma realidade que possibilite a criação constante de novas formas de agir. Compreender a linguagem torna-se uma prática discursiva e possibilita ao indivíduo exercitar-se criticamente, reconhecer nos seus enunciados, em sua produção discursiva, suas próprias vozes e os processos de apropriação das vozes alheias, as posições de sujeito com as quais se identifica, e para quais valores sociais sinalizam em contexto de interação.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. 4.ed. TraduçãoMichel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1988.

______.Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução do russo por Aurora Bernadini, José Pereira Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena Nazário e HomeroFreitas de Andrade. São Paulo: Hucitec: UNESP, 1998.
______.Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BLANCK, Guillermo. Vygotsky: o homem e sua causa. In: MOLL, L. C. (org) Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Porto Alegre:Artes Médicas, 1996.
BRAIT. Beth. O estatuto dos gêneros no quadro do ISD: provocando o debate. In: Guimarães, Ana Maria de Mattos; Machado, Ana Raquel; Coutinho, Antónia. (org.) O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas – Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.
______. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In: –––. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: UNICAMP, 1997.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine Escrita, Leitura, dialogicidade. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: UNICAMP, 1997.
CLARK, Katerina. & Michael. HOLQUIST. Mikhail Bakhtin.São Paulo: Perspectiva, 1998.
DIONISIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora; MACHADO, Anna Rachel (Orgs). Gêneros textuais & ensino.2.ed.,. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
FAIRCLOUGH, Norman. Discourse and social change. Cambridge: Polity Press, 1992.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Vol 1. Rio de Janeiro: Graal. 1988.
FREITAS, M. T. A. Bakhtin e Vygotsky: um encontro possível. In Brait, B. (Org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. São Paulo: Unicamp, 1997.
GERALDI, J,W. Alteridades: espaços e tempos de instabilidades. Artigo escrito para os alunos do curso "Tópicos de Lingüística V", IEL, Unicamp, novembro de 2003.
GOULART, Cecilia.Enunciar é argumentar: analisando um episódio de uma aula de História com base em Bakhtin Pro-Posições, v. 18, n. 3 (54) - set./dez. 2007. Disponivel em:< www.proposicoes.fe.unicamp.br/.../edicoes/texto154.html>. Acesso em 12 ago.2011.
MOITA LOPES, (Org.). Discursos de identidades. Discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família. Campinas: Mercado de Letras. 2002.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do discurso: princípios e procedimento. 3. ed., Campinas: Pontes, 2001.
PINHEIRO, Petrilson Alan. Bakhtin e as identidades sociais: uma possível construção de conceitos.Disponivel em:< www.filologia.org.br/.../bakhtin>. Acesso em 12 ago.2011.


[1] Rilza R. TOLEDO, Mestre em Letras, área de concentração: Literatura Brasileira, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Professora de Língua Portuguesa da FUPAC –Fundação Presidente Antônio Carlos -Visconde do Rio Branco e Ubá. rilzatoledo@yahoo.com.br.

[2] Dialogismo- termo carregado de pluralidade de sentidos.

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