quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Julina Clara Pinton, Kamila Reginaldo Costa

A linguagem na escola: a busca pela responsividade
Julina Clara Pinton
Programa de Pós-Graduação em Educação -
Linguagem Conhecimento e Formação de Professores (PPGE) UFJF
Juclarajf@hotmail.com
Kamila Reginaldo Costa
Programa de Pós-Graduação em Educação
Processos Socioeducativos e Práticas Escolares - UFSJ
kamilarcjf@yahoo.com.br

Introdução

No conjunto teórico de suas formulações, o Círculo bakhtiano, traz contribuições para os mais variados campos do saber. Através de um diálogo revelador e provocativo, este filósofo nos apresenta a teoria enunciativa da linguagem, trazendo diversas contribuições para se pensar o ensino e aprendizagem de língua, sobretudo de língua materna. Embora a educação não tenha sido o foco de suas discussões, Bakhtin tem nos dado instrumentos para se pensar o papel da linguagem nos processos de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita nas nossas escolas.
Nesse sentido, neste texto trazemos à tona a importância de se organizar os processos iniciais de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, com vistas a levar o aluno a construir uma compreensão ativa responsiva dos sentidos nos enunciados. Durante o processo inicial de alfabetização, além da aquisição da linguagem escrita pela criança, ocorre o desenvolvimento de outros tipos de linguagens, os quais elas já possuem, como por exemplo, a linguagem oral e a imagética. Dessa forma, cabe destoar diante de tantas preocupações que envolvem a leitura e a escrita, a busca pela responsividade, de tal modo, que a criança, desde os primórdios de seu contato com a lectoescrita, seja instigada a compreender ativamente enunciados e não simplesmente codificar e decodificá-los.
No conjunto arquitetônico das formulações do Circulo bakhtiniano, linguagem é um sistema dialógico de signos, é dinâmica, segue a evolução da vida, logo, é um fenômeno histórico-social. Sua verdadeira essência está na interação verbal, e, sua concretização está na enunciação. É produzida em função de um interlocutor, num dado contexto. Portanto, entendemos que é por meio dela que o indivíduo torna-se capaz de (re) agir com responsividade.
Para compreender as práticas de linguagem como sistema ideológico de signos, Bakhtin formula um dos principais pilares de seu pensamento, a proposta do dialogismo.  Dialogismo, segundo Fiorin (2006) pode ser definido sob dois conceitos; o dialogismo constitutivo, e o dialogismo composicional. O primeiro é caracterizado “como relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados”. Para que isso seja possível é preciso que haja sempre uma compreensão ativa responsiva. Nas palavras de Bakhtin/ Volochinov (2006, p.135),
qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo deve conter já o germe de uma resposta. (...) Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão.

A segunda definição refere-se a “incorporação pelo enunciado da voz de outro (s) no enunciado. Nesse caso o dialogismo é uma forma composicional. São maneiras externas e visíveis de mostrar o discurso”.
 Machado (1997) nos esclarece que há dois outros conceitos fundamentais para se compreender a concepção do dialogismo em Bakhtin, a saber; o princípio da extraposição; e o conceito de cronotopos. O primeiro é
definido, basicamente, pela múltipla focalização, o ponto de vista extraposto abrange o que está dentro e o que está fora de um dado campo de visão. Considerar o excedente de visão como parte da significação do signo corresponde a um processo elementar do dialogismo; vale dizer, através do qual é possível apreciar os pontos de vista divergentes que estão implicados no signo. (MACHADO, 1997, p.141-142).

O segundo é
entendido como unidade do espaço-tempo, o cronotopo é o principio organizador dos fenômenos artísticos que são assim oferecidos como construção, definido pelo confronto das relações. (MACHADO, 2007, p.196).

Assim, percebemos que linguagem é constituída por uma dialogicidade, que permeia os diferentes processos comunicativos. Para Bakhtin esse processo passa necessariamente pela assimilação dos gêneros discursivos dos textos. O autor afirma “que adequamos sempre nosso dizer às formas tópicas dos enunciados numa determinada atividade (falamos e escrevemos em gêneros; eles orientam nosso dizer) e aprendemos a dizer assimilando essas formas típicas no interior da mesma atividade”. (FARACO, 2009, p.132).
De tempos em tempos, a linguagem, devido ao seu caráter dinâmico, se modifica ganhando uma nova roupagem. Como já mencionado, Bakhtin filósofo da área a vê de forma abrangente, em sua totalidade, para ele, não há possibilidades de dicotomias entre discursos e a concretude da vida. Nas palavras do próprio:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 127).

É comum encontrar no ensino institucionalizado de língua materna o foco nos aspectos normativos em detrimento dos pragmáticos, isto é, a constante ênfase na apropriação do sistema de escrita, colocando à margem usos social da língua. Tal fato descaracteriza a vivacidade da linguagem, impedindo que os sujeitos vez ou outra estabeleçam relações dialógicas com o grande contingente de enunciados que vagam pelas relações sociais.  No que concerne à alfabetização, Cecília Goulart, aponta alguns caminhos pelos quais devem seguir o trabalho com práticas de linguagens neste segmento:
Precisamos de uma alfabetização que vá além da substituição de sons por letras e da interpretação simples e chega à reflexão sobre os significados políticos e sociais dos discursos; que possibilite as pessoas entender quais sentidos são construídos, em que enunciados e em benefício de quem. (GOULART, 2010, P. 451, grifos nossos).

Em consonância com essa concepção de leitura e escrita, para que a escola constitua um ambiente propicio para a alfabetização, Colello (2010) aponta que é necessário estabelecer uma relação dialógica com os alunos capaz de compreender seus saberes, erros, valores, motivação e, a partir deste tipo de relação traçar alternativas interessantes garantindo que eles aprendam a ler, escrever e ser capaz de atender as demandas sociais  leitora/escritora. A partir disso, enxergamos a necessidade de abordar a linguagem na escola tendo em vista que os alunos ao se alfabetizarem, possuam ainda mais subsídios para se apropriarem de enunciados e a partir de suas próprias palavras elaborarem uma réplica, respondendo ativamente às situações comunicativas as quais são submetidos.
Geraldi (1997), ao tratar a interação verbal como o cerne da produção da linguagem, ressalta alguns pressupostos que devem ser considerados fundamentais para o encaminhamento de uma prática alfabetizadora responsiva: (i) A língua não está pronta, esperando que nos apropriemos dela, mas é (re) construída a cada situação interlocutiva, na atividade da linguagem; (ii) A constituição dos sujeitos, sua consciência, sua visão sobre o mundo, ocorre à medida que se interagem com outros; (iii) As interações estão imersas por contextos sociais e históricos, e se tornam possíveis no teor de suas singularidades.
Roxane Rojo evidencia a necessidade da presença de letramentos críticos na escola, os quais são segundo a autora:
[...] capazes de lidar com os textos e discursos naturalizados, neutralizados, de maneira a perceber seus valores, suas intenções, suas estratégias, seus efeitos de sentido. Assim o texto já não pode mais ser visto fora da abrangência dos discursos, das ideologias e das significações, como tanto a escola quanto as teorias se habituaram a fazer. (ROJO, 2009, p. 112).
Levando em conta as considerações tecidas por pesquisadores afinados com os pressupostos bakhtinianos, para uma abordagem dialógica da linguagem na escola, cabe enaltecer os dizeres de Bakhtin no que tange a reponsividade. Em um de seus primeiros textos, o filósofo diz que “o indivíduo deve tornar-se inteiramente responsável: todos os seus momentos devem não só estar lado a lado na série temporal de sua vida, mas também penetrar uns nos outros.” (BAKHTIN, 2010, p. 34).
É a partir desta introspecção de momentos e discursos que vislumbramos a linguagem na escola, apostando na premissa de que o ensino deva se respaldar na diversidade de enunciados que circulam socialmente, isto é, que o ato de ler e escrever transcenda as situações didaticamente forjadas para seu aprendizado, e ocorram na autenticidade que se realizam nas interações sociais e nas diferentes esferas discursivas.

REFERENCIAS
BAKHTIN, Mikhail. A arte e a reponsabilidade. In: Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. 5ª Ed.
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e a filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
COLELLO, Silvia M. G. Alfabetização e letramento: o que será que será?. In: Alfabetização e Letramento. ARANTES, Valéria Amorim (org.). São Paulo: Summus, 2010. (Coleção Pontos e Contrapontos).
FARACO, Carlos Alberto. Os Gêneros do Discurso. In: ______. Linguagem & diálogo: as ideais lingüísticas do Circulo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
FIORIN, José Luiz. Os Gêneros do Discurso. In: ______. Introdução ao pensamento. São Paulo: Ática, 2006. p. 18-59.
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem – 4ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1997.
GOULART, Cecília M. A. Cultura escrita e escola: letrar alfabetizando. In: MARINHO, Marildes e CARVALHO, Gilcinei, T. (orgs.) Cultura Escrita e Letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
MACHADO, Irene. Os gêneros e o corpo do acabamento estético. In: BRAIT, Beth (org). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997.
______. Os gêneros e a ciência dialógica do texto. In: FARACO, Carlos Alberto (org). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR, 2007. Ed. 4.
ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

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