quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Moacir Lopes de Camargos

Me parece que a língua estrangeira não varia: parai, pensai, escuchai...
Moacir Lopes de Camargos
lopesdecamargos@gmail.com
(Universidade Federal do Pampa – Campus Bagé)


                Vamos direto ao ponto: é preciso, urgente, discutirmos a questão da variação lingüística (também) quando ensinos uma língua estrangeira. Talvez o leitor possa dizer que na língua materna isso já está claro. Apesar do já (des)conhecido livro Preconceito lingüístico de Marcos Bagno ter colocado em evidencia a questão já tratada por lingüistas como Geraldi, muitos professores de português do ensino fundamental e médio, ainda hoje, batem firme o pé que devem ensinar o “certo”[1]. Primeiro, esclareço que minhas observações partem de minha experiência como professor que ministrou aulas de português para professores do ensino fundamental e médio, desde 2005, no interior de São Paulo (Vale do Apiaí); e desde 2009 no interior do Rio Grande do Sul.
            Acrescento ainda minha experiência como aprendiz e professor de línguas estrangeiras (francês, espanhol, português) há mais de 20 anos. E, se pensamos sobre ensino de língua estrangeira, o tema da variação talvez mais se torne mais trágico. Na grande maioria das vezes, quando começamos a aprender uma língua estrangeira, somos obrigados simplesmente a repetir enfadanhos exercícios estruturais enquanto o professor, como naquele conto de Cortázar, olha pela janela para ver o tempo passar e, no oportuno, cobrar tudo em uma prova. Então, sistematizando constantemente, acredita-se que se aprenda a língua do outro. 
            Isso não acontece somente em escolas de línguas como se pode imaginar ao ler essas primeiras observações. Sabemos que, na maioria das universidades brasileiras (sejam públicas ou particulares), grande parte dos alunos ingressam sem ter um conhecimento mínimo de uma língua estrangeira – nem sequer leitura, o que seria necessário a todos alunos de quaisquer cursos superiores. Desse modo, ao começar a aprender uma língua estrangeira – inglês, por exemplo –, no caso de alunos de letras, é comum optar-se por um material didático (livro) que já determina a escolha de uma variante específica, a saber: estadunidense ou britânica. Às vezes, o aluno não toma conhecimento que há muitos países que falam inglês como primeira língua (Austrália, Nova Zelãndia); ou ainda aqueles que usam o inglês na comunicação cotidiana (Líbano). No caso do espanhol, ainda predominam os materiais vindos da Espanha o que, consequentemente, indica a valorização da variante espanhola[2]. No tocante aos países latinos americanos que possuem espanhol como língua primeira, as variantes desses países são, quase sempre, colocadas como meras curiosidades nos manuais didáticos, ou são consideradas feias, causam riso. Acontece ainda de o professor falar uma determinada variante latino-americana, mas no momento de ministrar aulas, fala a variante peninsular por considerá-la mais prestigiosa. Ou ainda, o professor diz considerar todas as variantes, mas privilegia os alunos que optam pela variante peninsular.
            Isso se torna mais problemático se pensarmos no caso de ensino de língua estrangeira em contextos fronteiriços. Cito aqui o caso que tenho um pouco de conhecimento, ou seja, dos países do cone sul que fazem fronteira com o Brasil. Nesses contextos, português e espanhol estão em constante contato, o que gera ainda mais polêmica, uma vez que surge o detestável portunhol que se transforma em um prato cheio para analisar questões de interlíngua e fossilização. Isso faz com que a  língua seja sempre vista como um sistema fechado de regras. Poucos conseguem ver a questão sob o prisma de um hidribismo ou de um diálogo entre língua/cultura.
É interessante notar que a literatura gauchesca, desde o consagrado Martin Fierro, explicita como a língua é hibrida, sem uma fronteira fixa entre oral e escrita. Ou como comenta a escritora argentina Maria Sonia Cristoff (2010) em sua tentativa frustrada de aprender russo. Ela não logrou muito sucesso, pois a professora lhe comentou que sua pronúncia era como a de uma mulher russa pobre do campo. Concordo totalmente com a escritora quando esta defende que devemos falar outra língua com traços do nosso próprio idioma, num decidido ato de mestiçagem. Nas palavras da argentina: Como si no fuera tanto más atractivo hablar una segunda lengua con rastros evidentes  - no solo en fonética; también en las elecciones lexicales, en el orden sintático – de estar realizando un decidido acto de mestizage.
É comum os professores de língua estrangeira se interessarem somente pelos melhores alunos, sobretudo aqueles que falam com mais elegância, mesmo se não conseguem ler bem ou escrever. Também é comum ouvir de alunos coisas (e são coisas mesmo) do tipo:  o/a professor/a me disse que entendo bem, mas não consigo falar, não tenho habilidade para espanhol; ou ainda de forma mais veemente: tu nunca vai aprender uma língua estrangeira!
Sempre proponho discutir com meus alunos um texto de Bakhtin intitulado Os estudos literários hoje, pois neste texto, ele nos esclarece o que está bem próximo ao que a escritora argentina afirma. O pensador russo, ao nos explicar sobre uma cultura alheia (aqui incluo a língua na cultura), afirma que una comprensión creativa no se niega a si misma, a su lugar en el tiempo, a su cultura, y no olvida nada. Algo muy importante para la comprensión es la extraposición del que comprende en el tiempo, en la cultura. (Bakhtin, 2008:349)
Isso seria o ideal os alunos, futuros professores de língua. E, quando discuto essas idéias de Bakhtin para, em seguida, apresentar-lhes o texto da escritora argentina, é consenso escreverem (não é para nota) que a autora defende a identidade não homogênea em termos lingüísticos/culturais. Mas, parece-me que no momento de realizar os estágios práticos, devem obedecer a determinadas ordens superiores e todas as discussões vão por água abaixo....
Fica então uma pergunta: que língua ensinar aos alunos, ou melhor, o que os alunos gostariam de aprender? Será que perguntamos isso a eles? Ou sempre fazemos imposições a partir de nossas escolhas que cremos ser adequadas, ou simplesmente aceitamos o que seja considerado como melhor variante? Trago exemplos bastante claros para que o leitor possa evidenciar minhas observações. Em 2005, na Universidade de Québec, Canadá, achei muito interessante a forma como os quebequenses falam o francês. Para não entrar em detalhes fonéticos/fonológicos, me pareceu um sotaque com vogais mais prolongadas, mais relaxado. Como comecei de imediato a reproduzi-lo, um professor universitário me repreendeu de forma bastante autoritária: “Tu dois apprendre le bon français parce que moi, quand je vais en France, ils me demandent : d’où venez-vous? Vous parlez très bien le français monsieur? Je leurs réponds: je suis Canadien. Ils sont surpris et me disent: On ne dirait pas que vous êtes Canadien”.
No entanto, em todos os momentos de nossa interação, esse mesmo professor, estava sempre se monitorando no seu bom francês, mas dava boas escorregadas e deixava escapar seu sotaque muito característico de Québec! Não havia formas de negar sua língua/cultura, apesar de ele crer que a França era superior, pois tem uma língua padrão.
            Outro exemplo que cito é de um aluno argentino da Universidade de Córdoba (Argentina). Após uma prova de fonética do português – como língua estrangeira – esse aluno veio até mim para perguntar-me qual era a pronúncia correta da palavras talvez, pois ele havia dito talvez e o professor (brasileiro) considerou errado, uma vez que o correto seria talveis (com i) como falam no Brasil. Ou seja, o professor ignorou totalmente que existe outra forma de pronúncia usada e válida.
Então, para finalizar este texto, te digo que se não estás de acordo que a língua estrangeira não varia, tomo as palabras dos cordobeses e te digo: parai, pensai, escuchai... los alumnos no soportan tantas  pelotudeces!!! Leia a epígrafe deste texto e pense um pouco sobre a língua, seja estrangeira ou materna!

Referências
Bakthin, M. Estética de la creación verbal. 2 ed. (trad. Tatiana Bubnova). BuenosAires: Siglo XXI, 2008.
Cristoff, María Sonia. El valor del propio acento. In: Revista Ñ, parte integrante do Jornal El Clarín, Buenos Aires, out. 2010, p. 54.
Epígrafe retirada da revista Bravo, sessão Artes Plásticas, out.2008, p. 54.


[1] Depois que reli este primeiro parágrafo vi que havia deixado o verbo estar no presente do indicativo (fato bastante comum na oralidade do português de minha região de Minas Gerais) e não no subjuntivo como exige a gramática. Tenho certeza que os leitores já reclamaram e disseram algo do tipo: nossa, tá errado!!!
[2] Na Espanha existem outras línguas como catalão, basco, galego. No entanto, este país é quase sempre mostrado nos livros didáticos como tendo um único/perfeito espanhol, e recomenda-se a cidade de Salamanca como o lugar onde se fala el mejor español del mundo.

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