quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Angélica Remonatto

Em busca de uma resposta responsável
Angélica Remonatto
Mestranda do programa de Mestrado em Estudos da Linguagem (MeEL)
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

Discussões acerca da situação da educação no Brasil fazem parte da nossa realidade há muito tempo, porém vêm crescendo a cada dia, principalmente sobre o ensino-aprendizado de Língua Portuguesa, sobretudo depois do recente circo apresentado pelo jornalismo brasileiro em maio/junho deste ano, após infindas matérias sobre um livro didático aprovado pelo MEC, contendo um capítulo sobre variantes linguísticas.
Os resultados dessas discussões são diversos, positivos e negativos, e sempre temos aqueles ligados somente ao senso comum, que se fixam em discursos pouco embasados, mas não podemos deixar de acrescentar os bons resultados que, neste caso, um deles foi o de uma maior atenção da sociedade voltada para esses assuntos.
Basta pesquisarmos notícias sobre a educação e logo percebemos que estamos, de fato, vivendo sérias mudanças. Mudanças essas que vão desde os paradigmas de ensino-aprendizagem até mudanças de valores dos sujeitos envolvidos.
Além das notícias falando sobre o descaso com a educação (desde o material didático, passando pela merenda escolar, e chegando ao salário do professor), temos também os resultados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que por mais que apresentem uma melhora, estão ainda abaixo da média almejada para uma educação de qualidade.
E para pensarmos melhor sobre essa esfera da atividade humana, a escolar, convém refletirmos sobre os sujeitos que circulam por ela, sem esquecer, é claro, que eles também desempenham outros papéis em outros campos de atividade.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do terceiro e quarto ciclos, o professor e os alunos são variáveis do ensino-aprendizagem juntamente com objeto de ensino. Os alunos são sujeitos da ação de aprender, aqueles que agem com e sobre o processo de conhecimento, e aos professores cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas. Esses sujeitos que interagem nessa esfera possuem uma característica importantíssima, que também está presente em todos os outros seres humanos, que é a capacidade de responder.
Esta capacidade é por nós considerada como o conceito de respondibilidade de Mikhail Bakhtin (1952-1953/1979), que infere sobre a particularidade prenhe em todo ser humano de ser, por excelência, um ser responsível.
Bakhtin discute a responsividade humana, no início da 2ª parte do texto Os Gêneros do Discurso, expondo a visão fictícia da lingüística geral sobre o ouvinte, em que ele é um mero receptor, discutindo essa concepção, ele ressignifica o papel do ouvinte desvendando sua potencialidade de ser também falante:
(...) o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; (...) o ouvinte se torna falante. (Bakhtin, 1952/53)

Para o autor, o processo de comunicação humana é, precisamente, ativo. Isto é, os seres humanos são dotados dessa capacidade, que parece óbvia, mas que revoluciona muitas práticas.
Revolucionária, também, porque não implica conceber somente que todos nós somos seres que temos capacidade de responder, isto é, de inferir, de refutar, de ressignificar etc., mas também que somos responsáveis por aquilo que oferecemos como resposta, justamente por não possuirmos álibi na existência, ou seja, não temos desculpas ou justificativas para nossos atos.
Clark e Holquist (2008), estudiosos do pensador russo, discutindo sobre textos do Bakhtin que se referem ao estudo da relação entre o eu e outro, afirmam:
Cada um de nós ocupa um lugar e um tempo únicos na vida, uma existência que é concebida não como um estado passivo, mas ativamente, como acontecimento. (...) A ética não se constitui de princípios abstratos, mas é o padrão dos atos reais que executo no acontecimento que é minha vida. (p. 90)
            Poderíamos pensar em um exemplo para ilustrar essa característica do ser humano, mas para isso basta prestarmos atenção em nossa própria vida, em nossos próprios atos, e percebemos como em cada fração de segundo respondemos ao mundo, isto é, nos posicionamos frente a uma conversa, agimos frente a circunstâncias diversas, escolhemos, reagimos, tomamos decisões, enfim: vivemos. E o mais interessante é que fazemos isso de maneira única, como universos únicos que somos.
O caráter distinto de cada resposta é a forma específica da respondibilidade daquela dada pessoa. Não há meio de um organismo vivo evitar a respondibilidade, e uma vez que a própria qualidade que define se alguém esta ou não vivo é a capacidade de reagir ao ambiente, que é um constante “responsar” ou responder, e a cadeia total dessas respostas compõe uma vida individual.  (Clark e Holquist, 2008, p. 92)

Retomando a discussão acerca da atual situação da educação brasileira, vemos que a mudança de paradigmas ultrapassa o ensino-aprendizagem, cabem discussões mais amplas e gerais, envolvendo a questão de políticas públicas para a educação, porém, faz-se necessária uma reflexão interior de ambas as partes, mas pensando como docente, que resposta eu dou? Quais respostas eu devo dar? Isto é, qual, de fato, é o meu papel como educador?
Geraldi (2010), em seu artigo Aula como acontecimento, publicado no livro de mesmo nome, constrói todo o percurso da relação do professor com o conhecimento, o que, segundo ele, é marca de sua identidade profissional. Tecendo comentários sobre as crises em que nos encontramos hoje e as possibilidades de uma transformação, chega a um primeiro consenso sobre a nova identidade do professor:
(...) a nova identidade a ser construída, não é a do sujeito que tem as respostas que a herança cultural já deu para certos problemas, mas a do sujeito capaz de considerar seu vivido, para transformar o vivido em perguntas. O ensino do futuro não estará lastreado nas respostas, mas nas perguntas. Aprender a formulá-las é essencial (Geraldi. 2010,  p.95). 

Logo, buscar essa resposta responsável é refletir sobre a prática como educador, sobre seus atos como indivíduo, mesmo que essas reflexões venham primeiramente como perguntas. Pois elas nada mais são do que as sementes das futuras respostas.

Referências:
BAKHTIN, M. M. (1952-1953/1979) Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental, 1998.
CLARK, K. & HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 1998.
GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.

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