quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Auricélia Silva Monte

Circuito de leitura: experiência responsiva na educação básica
Auricélia Silva Monte (UFPA)
linguas.literarte@yahoo.com.br

Toda a arte de ensinar
é apenas a arte de acordar
a curiosidade natural
nas mentes jovens,
com o propósito de serem
satisfeitas mais tarde.  
(Anatole France)

Somos, por natureza, dialógicos e nossa interação com o mundo e com os outros é quesito fundamental para a constituição do ser, para a compreensão da vida, dos sentidos e da relação de responsabilidade Eu-outro. Nessa jornada, enquanto aprendizes, somos a linguagem das palavras e contrapalavras, o alicerce do implícito/explícito, a alma que dá sentido, a escrita que elabora a vida, a leitura que exarceba os sentidos da existência humana e nos torna universais.
É dessa perspectiva dialógica e responsiva que venho expor a experiência no ensino de leitura e escrita, vivida na execução do “Projeto Circuito de Leitura: lendo para ser feliz”, na Escola Estadual Consuelo Coelho e Souza, no município de Ananindeua-PA, no primeiro semestre de 2011. Embora o projeto exista desde 1990, foi em 2009 que houve um parceria entre o Circuito de Leitura e o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares – SECAD-MEC-UFPA-PROEX. Em 2010 foi aprovado no Instituto de Ciências da Educação e no PIBEX/PROEX.
O Circuito de Leitura é realizado por bolsistas de Pesquisa e Extensão do PCS, oriundos da rede pública de ensino e moradores de comunidades populares. O projeto é coordenado pela professora Maria José Aviz do Rosário e tem por objetivo incentivar crianças e adolescentes o hábito da leitura, formação de leitores, o contar e ouvir histórias, a produção artística nas suas variadas manifestações, assim como auxiliá-los em suas dificuldades de ensino-aprendizagem.
Como aprendizes da arte de educar estamos constamente em processo de mudança, pois é pela existência de outros seres humanos que se constrói os valores que articulamos em atos reais no acontecimento de nossa vida. É neste sentido que nos propusemos auxiliar os alunos da 5ª série do ensino fundamental, da referida escola. Nosso objetivo se insere numa perspectiva que aponta o gosto e o prazer pela leitura como forma de compreensão da palavra e da escrita e como forma de expressão da criatividade, liberdade, segurança, sonho e paixão pelos livros, além disso, estimulamos a participação da comunidade em espaços de debate e os sujeitos que tem por ofício a educação.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um diálogo: interrogar, escutar, responder, concordar, ect. Neste diálogo o homem participa todo e com toda a sua vida: com os olhos, com os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com as suas ações. Ele se opõe todo na palavra e esta palavra entra no tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal. BAKHTIN (1929 apud CLARK e HOLQUIST, 1998, p.13).

                Iniciamos a continuidade das atividades em 2011 apresentando o projeto e seus objetivos aos alunos, em seguida abordamos as crianças e adolescentes sobre o interesse por tipos de leituras, preferências por diferentes gêneros e a partir dessa pesquisa preparamos uma oficina referente a importância da leitura e demonstração da estrutura de um livro. Como forma de suscitar um primeiro contato deles com os objetivos das atividades, propomos que fizessem um livro fictício contando uma história criada por eles ou outras que soubessem e apresentassem aos colegas, mencionando a estrutura da sua “obra” (nome do autor, título, ilustração, editora, página, ano, etc.,), e da história escolhida por eles.
       

                                                                                          
   Figura 1: Elaborando as atividades                   Figura 2: Produção dos livros

                A relevância das atividades com as crianças e adolescente está voltada para o papel da escola que queremos. Um ensino que permita tornar os estudantes co-partícipes de sua formação, em leitores competentes que possam de acordo com suas leituras interpretar e produzir textos, uma vez que essa habilidade será exigida, a qualquer momento, em toda a sua vida, visto que a Língua Portuguesa tem um caráter transversal.
O homem torna-se um ser que dá respostas, precisamente na medida em que –paralelamente ao desenvolvimento social e em proporção crescente – ele generaliza, transformando em perguntas seus próprios carecimentos e suas possibilidades de satisfazê-los; e, quando, em sua resposta ao carecimento que a provoca, funda e enriquece a própria atividade com tais mediações, freqüentemente bem articuladas.

            No segundo momento, levamos os livros pré-selecionados pelos bolsistas, na própria biblioteca da Escola Consuelo de Souza, para que os alunos pudessem escolher um livro e seu tutor dando início, portanto, ao circuito de leitura que culminará, no segundo semestre, em várias apresentações artísticas, produção de vídeos e contação de histórias juntamente com a participação dos professores, diretores e dos pais dos alunos.
Neste sentido, acreditamos que o self é aquilo mediante o que semelhante execução responde a outros selves e ao mundo a partir do lugar e do tempo único que ocupo na existência (BAKHTIN, pag 90). O sujeito bakhtiniano nunca é completo, uma vez que só pode existir dialogicamente. O outro é fundamental não só enquanto constituinte de mim, mas também para o autoconhecimento do eu. Não podemos ter uma visão completa se não estivermos em constante relação com os outros que também ocupam um lugar singular.
É desta perspectiva bakhtiniana que nos inserimos na responsabilidade das práticas sociais na escola, valorizando o ato de responder a teoria do ensino superior na prática da educação básica das escolas populares. É por meio da disponibilidade responsiva que conseguimos interagir com o novo, com uma proposta de ensino que leve em conta as implicações de lidar com os outros no processo de responsabilidade com o ensino, pesquisa e extensão. Assumir o outro  é uma atitude ética que por sua vez configura uma dimensão já responsiva.
Respondemos ao momento, mas respondemos, ao mesmo tempo por ele, responsabilizamo-nos por ele. Uma realidade concreta do mundo, novamente criada, foi-nos colocada nos braços: nós respondemos por ela. Um cão olhou para ti, tu respondes pelo seu olhar, uma criança agarrou tua mão, tu respondes pelo seu toque; uma multidão de homens move-se em torno de ti, tu responde pela sua miséria. (BUBER, 2007, 50)
           
A respondibilidade, ou responsibilidade em Bakhtin faz-nos refletir sobre o ato de responder. Partimos da concepção de que não basta apenas incentivar a leitura é necessário apontar caminhos, as pistas que o texto oferece, para que o aluno possa construir sentidos numa reciprocidade autor/texto/leitor abandonando a idéia de receptor passivo.
 

   
 Figura 3: Apresentação das histórias            Figura 4: Entrega dos livros escolhidos   

            Esta experiência responsiva na educação básica permite que nós, aprendizes da arte de educar, iniciantes do ensino de línguas, possamos buscar respostas para as dificuldades que impedem nossos alunos de progredirem na leitura e na escrita de forma eficiente. Não podemos ensinar os alunos a ler e a escrever bem quando se oferece apenas orações e períodos fragmentados, o ensino da gramática sem a prática da leitura, a interpretação sem que se mostre para onde olhar. Como falar da importância da leitura para apropriação de sentidos distintos, para a cultura, de como a leitura é imprescidível em todos os momentos da nossa vida se se oferece uma leitura e espera-se respostas padronizadas. Para que ler? O que é a leitura? São indagações de muitos alunos que ainda não tiverem a oportunidade de serem estimulados a essa experiência fascinante que nos transforma em sujeitos ativos que dialogicamente vivem como construtores sociais. Estas são respostas que queremos, alunos que possam construir sentidos na interação com os outros, mobilizando várias habilidades conjuntas de saberes que o permitirão a concretude de leitores competentes e mais que isso, de seres críticos e dialogicamente respondíveis. Este desejo é o que move nossas ações.                        
                                                                                         
Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail – Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981.
_______________ - Estética da criação verbal, São Paulo, Martins Fontes, 1992.
BUBER, M. Do diálogo e do dialógico. Tr. Marta Ekstein de Souza Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Perspectiva, 2007.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2011.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2009.
LUKÁCS, George – A reprodução: Roma, Ed. Ruinit, 1981.

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