quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Taiza Marcello Araripe

A responsividade de uma co-pesquisadora e suas contrapalavras.
Taiza Marcello Araripe[1]

Enquanto ouvimos, também falamos. Ouvir e falar são movimentos de uma mesma atividade. Desta forma, nossas respostas [...] são contrapalavras às palavras do outro. Troco signos alheios por signos próprios. Desta forma é que construo a compreensão. Compreensão ativa e responsiva. (GEGe, 2009).

Proponho para inicio de conversa, apresentar meu lugar enunciativo, a partir do qual  organizo as idéias que nesse diálogo vamos compartilhar.
 Sou graduanda de Pedagogia, da Faculdade de Educação da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), e no ano de 2010, comecei a fazer parte do Grupo LIC (Linguagem, interação e conhecimento) orientado pela Profª. Drª. Maria Teresa de Assunção Freitas[2]. A partir daí a história é longa e atropelada por diversos acontecimentos importantíssimos para que eu esteja aqui escrevendo sobre minha atividade de co-pesquisadora.
Trabalhamos em conjunto no LIC e os pesquisadores que desenvolvem seus trabalhos de mestrado ou doutorado envolvem os graduandos em suas pesquisas como auxiliares compartilhando  aprendizados sobre a atividade de pesquisa e de construção de conhecimentos. Nesse compartilhamento vamos a partir das palavras alheias chegando às nossas próprias palavras.   Compreendo com Faraco (2003) que
 [...] cada palavra é no mínimo duas palavras; e cada evento da linguagem é a atualização de uma relação de forças entre sujeitos históricos distintos. Não só como diálogo externo; num único e mesmo enunciado, do mesmo sujeito, atuam vozes distintas numa relação de força. (FARACO, 2003).

Quando trabalhamos com esses colegas de grupo, após cada evento observado, redigimos notas de campo que traçam nossos pareceres e pontos de vista sobre o acontecido e a própria postura do pesquisador. Iniciei meu trabalho como co-pesquisadora  no início deste ano de 2011, e foi nesse instante também, que comecei a passar por momentos distintos e difíceis, em que tentava apresentar um álibi para minhas observações e contrapalavras, organizadas de forma  pouco responsiva sem contribuir de fato   para o trabalho realizado pelo pesquisador.
Em uma das reuniões, quando provoquei uma tempestade de contrapalavras no grupo, com essas minhas justificativas e explicações, deparei-me com a seguinte questão. Se Bakhtin mostra que eu não me constituo como Ser[3] sem o outro e vice-versa, como e de que forma esse meu trabalho, poderia contribuir para mim, para a pesquisadora em questão, e também para o grupo todo?
Difícil romper as barreiras da convivência, esse foi meu principal argumento na construção de um álibi perfeito.  Impossível não vencer as barreiras da responsabilidade comigo, com o meu grupo e com o mundo, essa foi minha sentença.
Hoje (re) pensando em tudo que tive oportunidade de compartilhar com o grupo LIC,  escrevo esse texto, não no intuito de apresentar um trabalho que vem dando certo nesses 16 anos de existência, mas de mostrar a todos, como navegar sob as águas turbulentas e tortuosas dessa arquitetônica tão bem construída por Bakhtin para compreender como a educação (pensada como um todo) ainda necessita de respostas e ações responsáveis como estas que estamos construindo durante nossa trajetória acadêmica e de pesquisa.
Volto então às minhas notas de campo, citadas anteriormente, e apresento alguns achados, que agora consigo enxergar e apontar, de um outro cronotopo[4], com outro olhar a partir do embate e da luta entre as palavras e diálogos travados nos momentos de discussão com o grupo.
O trecho destacado abaixo foi retirado de uma das minhas primeiras notas de campo. Eu o escolhi com o intuito de mostrar como ainda prendia-me a expectativas e a justificativas que não me cabiam, como eu ainda confiava na responsabilidade da pesquisadora com seu trabalho esquecendo-me ou até mesmo esquivando-me da minha.

“[...] foram tantos aspectos a observar que já me perdi aqui nessa escrita várias vezes sem saber por onde começar [...] espero que a nota de campo da Mariana também me ajude e acabe por acrescentar outros aspectos [...] seria tão bom que todos do grupo  estivessem  assistindo junto comigo..” (nota de campo, 23 de Maio de 2011).

Como poderia deixar de apresentar às pessoas do grupo a riqueza da entrevista contando apenas com a visão da pesquisadora, e ainda  desejando que todos estivessem lá para que esta minha descrição fosse feita de forma mais superficial, ou pouco descritiva? E mais, como eu poderia contribuir com os resultados do trabalho da pesquisadora se eu mesma não me sentia segura para faze-lo?
Assim me sentia no inicio de minha experiência como co-pesquisadora, mas aos poucos  fui percebendo que após toda a discussão em grupo começava a compreender melhor meu trabalho. Essa compreensão trouxe-me muitos progressos. Minhas descrições começaram a ser traçadas de uma forma diferente, apresentando mais detalhes e indicando o meu ponto de vista. Ocupando uma outra posição espacial/temporal, diferente da ocupada pela pesquisadora conseguia com minhas descrições, observações e contrapalavras completar a sua visão em relação ao evento. Envolvida nesse processo comecei a compreender tudo aquilo que antes questionava, aprendendo de fato a importância do meu papel de co-pesquisadora. 
Em outro trecho de uma nota de campo assim me expresso:

“[...] essa nota de campo será diferente das demais, não que eu não acredite que as outras não possam ter contribuído para a pesquisadora, mas porque agora como disseram: Dina, Maria Teresa e todo mundo, na posição de (co) pesquisadora devo olhar a Mariana de um determinado lugar, e com um determinado olhar, do qual ela não pode ou não conseguirá enxergar sem minha contribuição.” (nota de campo, 30 de Maio de 2011).

Ainda sentia-me pouco à vontade com a situação e  trazia resquícios da minha postura anterior “[...] não que acredite que as outras não possam ter contribuído para a pesquisadora [...]” É engraçado ver como fui resistente às mudanças, mas como também às acolhi quando necessárias.
Agora apresento outro texto, retirado da nota de campo da pesquisadora referindo-se à preparação de uma entrevista:

“Sempre em discussão com a Taiza, decidimos e optamos em permanecer na sala do LIC, talvez porque ali, me sinta em casa e tenha mais facilidade, por ser um lugar já conhecido, ou talvez, pelo ambiente proporcionar que entrevistado e entrevistador fiquem frente a frente, facilitando a condução da discussão.” (nota de campo da Pesquisadora, 30 de Maio de 2011).

Esse trecho descrito acima foi escrito pela pesquisadora, destacando a importância de discutirmos juntas sobre o local onde seriam realizadas as entrevistas. Em minhas notas de campo anteriores já havia destacado com ênfase este aspecto apontado agora pela pesquisadora. Fomos construindo e entrando em comum acordo, pois, eu sempre acreditei que a pesquisadora e o entrevistado, acabavam sentindo-se mais à vontade quando estavam na sala do nosso grupo. Claro que isso não era unânime, mas a maioria dos entrevistados parecia conseguir manter-se próximo à pesquisadora, e a câmera que ficava posicionada ali, parecia sumir em meio a tantos aparatos tecnológicos existentes no Grupo LIC. Quando estávamos em uma sala da FACED, eu, a pesquisadora, o entrevistado e a câmera, era como se aquele instrumento não estivesse no lugar correto, no momento correto e como se a ênfase fosse toda nele, o entrevistado parecia acanhar-se e até privar-se de certas atitudes que queria apresentar ali.
 O trecho da nota de campo da Mariana , aqui citado. foi o barco que me levou a mares de calmaria e que me proporcionou intensas reflexões, essenciais para que eu entendesse que minhas opiniões tão acanhadas, de certa forma, já vinham influenciando e ajudando nas tomadas de decisões da pesquisadora e contribuindo com os resultados da pesquisa. Eu me senti parte do processo e da construção da pesquisa, como se tivesse um pedacinho meu ali, mesmo que simbólico. Percebi que tive voz e vez e também não atropelei a voz e a vez da pesquisadora. Fazíamos parte de um mesmo local, mas enxergávamos de formas diferentes, e finalmente complementares.
Reparo agora também, voltando às transcrições das entrevistas realizadas, que muitas das questões que eu trazia ao final de cada nota de campo ( falando sobre questões pontuais sobre o conteúdo da entrevista em si), também passavam a ser discutidas pela pesquisadora com o próximo entrevistado,  na entrevista  dialógica realizada.
A pesquisadora conseguia também com o auxílio das minhas contribuições, feitas nas notas de campo e em nossos encontros, deixar o entrevistado falar mais livremente, permitindo-o sentir-se à vontade e fazendo-o perceber que, o que queríamos ali, não era uma avaliação de seu trabalho pedagógico, pois, assim como a perspectiva Bakhtiniana aponta, nada está acabado e sim em processo de construção.  O que queríamos acima de tudo, era compreender como se situavam diante do desenvolvimento de atividades digitais dentro de sua sala de aula no processo de formação de professores.
Minhas contribuições também não cessam por aqui. O trabalho de pesquisa é algo envolvente e apoiada nas palavras de Bakhtin, percebo que deixar o apreendido quieto em um canto, sem ser (re)mexido, (re)pensado, discutido e posto à prova e em prática, é o mesmo que deixar a lava de um vulcão em erupção tornar-se pedra.
Minha responsividade, como educadora, como pesquisadora e como Ser, é a de construir com meus interlocutores, um diálogo que proporcione novas perspectivas e novas contrapalavras, um verdadeiro campo de embate e de conhecimentos, sociais, científicos culturais e emocionais em relação à situação educacional  vivenciada.

Referências:
GEGe. Palavras e contrapalavras: Glossariando conceitos, categorias e noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2009.
FARACO, Carlos Alberto. Para uma discussão aprofundada da perspectiva lingüística do Círculo de Bakhtin. In.: Linguagem & Diálogo – As Idéias Lingüísticas do Círculo de Bakhtin". Curitiba: Criar Edições, 2003.
Bakhtin/ Volochinov (1929) Marxismo e Filosofia a Linguagem. São Paulo: Hucitec, data do livro.


[1] Estudante de Educação (Pedagogia/UFJF), Bolsista de Iniciação Científica  do CNPq. no Grupo de Pesquisa LIC (Linguagem, Interação e Conhecimento), sob a orientação da Profª.Draª. Maria Teresa de Assunção Freitas. 
[2]Professora do Programa de Pós graduação em Educação da UFJF e coordenadora do Grupo de Pesquisa LIC. É pesquisadora do CNPq com bolsa de produtividade de pesquisa nível 1D e pesquisadora do programa "Pesquisador mineiro da FAPEMIG".
[3] O ser bakhtiniano nunca é completo, fechado em si; sua existência depende do relacionamento com os outros, estabelecido dialogicamente.
[4] “[...] cronotopia é a relação tempo-espaço envolvida na produção de discurso. O cronotopo liga-se ao que Bakhtin denomina “grande temporalidade”, podendo, portanto, ser conceituado como “a expressão de um grande tempo”. Enquanto o espaço é social, o tempo é histórico, pois é a dimensão do movimento no campo das transformações e dos acontecimentos.” (GEGe, 2009).

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