quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tânia Halley Oliveira Pinto , Maria Emília Caixeta De Castro Lima , Andréa Horta Machado

A formação do educador do campo como mediador de visões de mundo acerca da evolução biológica em áreas de assentamentos de trabalhadores sem terra
Tânia Halley Oliveira Pinto 1,
Maria Emília Caixeta De Castro Lima 2,
Andréa Horta Machado 3
1 Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Educação (tania.halley@yahoo.com.br)
2 Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Educação (mecdl@uol.com.br)
3 Universidade Federal de Minas Gerais – Colégio Técnico (ahortamachado@gmail.com)

            Tratar da formação de educadores do campo pode ser considerado como um desafio, uma vez que a Educação do Campo é um tema relativamente atual no contexto da educação brasileira (BRASIL, 2003), e dessa forma, a discussão sobre a formação de sujeitos para atuarem nas escolas do campo também se mostra como algo incipiente.
            O surgimento de projetos específicos de formação de professores do campo para atuarem de acordo com os pressupostos da Educação do Campo é algo recente em nosso país. Podemos atribuí-lo a luta dos movimentos sociais pelo cumprimento do direito de acesso à educação. Luta que recebeu maior visibilidade no cenário nacional a partir do I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária (ENERA), que aconteceu em julho de 1997.      
Segundo Antunes-Rocha (2009) nas últimas décadas, os Movimentos Sociais do campo têm voltado seu olhar também para a luta pelo direito universal de acesso à educação. Para tanto, estabeleceram parcerias com universidades, entidades e organizações não governamentais, conquistando a implementação de políticas públicas que buscam garantir o acesso e a permanência à Educação do Campo. Entretanto, a reivindicação dos povos do campo não é apenas por garantir o acesso à educação, é necessário que se garanta também a qualidade da educação oferecida.
            No âmbito da formação do educador do campo o cenário é preocupante, na medida em que se analisa o breve panorama produzido pelo Inep/MEC em 2007 (BRASIL, 2007), sobre a formação dos sujeitos que atuam como professores no campo. Com relação à formação docente, as estatísticas [1] desse estudo informam que apenas 21,6% dos professores que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental apresentam formação superior. No Ensino Médio, o percentual corresponde a 8,3% e nas séries finais do Ensino Fundamental, cerca de 46,7% dos docentes apresentam somente o Ensino Médio (BRASIL, 2007). Nesse levantamento, não foram considerados os profissionais que, apesar de terem formação em nível médio, não possuem diplomas de Ensino Médio Normal. Mais grave ainda é a existência de docentes com formação apenas no Ensino Fundamental.
Para que se modifique essa realidade, consideramos que as contribuições de Bakhtin podem nos auxiliar na compreensão de uma educação em ciências como um ato ativo responsivo, isto é, no que se refere à responsabilidade/responsividade de nossos atos. Do ponto de vista epistemológico, faz-se necessário apresentar uma ciência que possa ser vista como um empreendimento muito humano e necessariamente limitado (IRWIN, 2009, p. 81), de modo a favorecer um encontro entre o mundo da cultura/ciência e o mundo da vida, de acordo com o referencial filosófico do ato responsável (BAKHTIN, 2010). Argumentos a favor de uma perspectiva integradora de educação como possibilidade de se tratar simetricamente ciências e seus públicos (IRWIN, p. 84). As simetrias das quais falamos, pressupõe por em diálogo outras racionalidades além da técnico-científica. Em função da história desses sujeitos e dos modos como produzem e reproduzem a vida no campo, é importante promover o resgate dos saberes da experiência e, bem como os modos narrativos de pensar inerentes à construção dos conhecimentos da prática. Em outras palavras, objetivamos na formação de educadores do campo articular saberes da experiência com os saberes produzidos nas diferentes áreas do conhecimento científico e com os originados da pesquisa em educação em ciências.
Os sujeitos do campo anseiam por uma formação que seja capaz de dar respostas às defasagens educacionais que eles apresentam, em termos de uma educação básica e, ao mesmo tempo, consiga promover uma educação que os auxilie a lidar com o desinteresse dos sujeitos do campo em decorrência de uma escola que se apresenta divorciada de suas vidas. Dessa forma, temos a responsabilidade, no sentido de responder pelos próprios atos, e a responsividade, no sentido de se atentar para o fato de que estamos a responder aos anseios dos povos do campo, de pensar em cursos de formação de educadores do campo que sejam capazes de respeitar e levar em consideração a vivência cotidiana, a experiência de vida e o modo de ser do sujeito do campo. Acerca disso, Lima (2010) acrescenta:
Em função desse quadro consideramos que é preciso aprofundar a discussão sobre a complexidade de se formar professores para tal realidade sem reeditar as tão criticadas licenciaturas curtas em ciências ou entender que uma suposta pobreza das condições materiais das escolas do campo deve redundar no empobrecimento ou na simplificação dos conteúdos de ciências que comporão o currículo dessas escolas. Trata-se de uma formação de professores que leve em conta a história de quem vive e trabalha no campo e que vem educando as crianças, jovens e adultos nos acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nas Escolas Famílias Agrícolas, nas salas multisseriadas, ou atuando nas secretarias municipais de educação, entre outros. São trabalhadores do campo que chegam não só marcados pela origem, mas trazem também o destino de educar para o campo. (LIMA, 2010: 172)
           
            No contexto da Educação do Campo no Ensino Superior, a UFMG foi uma das pioneiras na implantação de um curso superior para formar professores do campo, o curso de Licenciatura em Educação do Campo. Tal curso objetiva a formação de professores do campo, em nível superior, para trabalhar na educação básica, nas escolas do campo, com enfoque nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O curso contempla quatro habilitações sendo elas nas áreas do conhecimento de Ciências da Vida e da Natureza, Ciências Sociais e Humanidades, Matemática e Linguagem (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura).
            É possível observar, em relatos dos organizadores do currículo da área de Ciências da Vida e da Natureza, que a construção curricular do curso, numa atitude responsiva, foi pensada levando-se em conta as pretensões dos campesinos por uma Educação do Campo que considere a realidade do campo brasileiro.
Nossa orientação fundamental na concepção do curso foi a de instrumentalizar os educadores para desenvolver uma pedagogia comprometida com os anseios de suas comunidades em suas lutas pela melhoria da qualidade de vida. Para isso, julgamos necessário fazer escolhas político-pedagógicas coerentes com as bandeiras sociais, culturais, éticas e políticas do movimento dos trabalhadores do campo (LIMA apud VENÂNCIO & LIMA, 2009:5).

            Tendo em vista todos os aspectos lançados, podemos considerar que a formação docente realizada no curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em Ciências da Vida e da Natureza, é um ato ético, bem como uma atitude responsiva, pois valoriza uma formação “inclusiva, que tem o compromisso de incorporar uma parcela significativa da sociedade que até agora esteve ausente da academia e foi silenciada em suas necessidades e saberes” (LIMA, 2010).
Um dos nossos interesses, no atual momento, é o de investigar em que medida alunos do curso de Licenciatura do Campo da UFMG, que já atuam como professores no campo se apropriam do discurso científico sobre evolução biológica, praticado nesse curso, e como tal discurso se reflete na prática docente desses educadores. Ou seja, queremos entender como se dá o processo de apropriação do conhecimento científico no curso de licenciatura e como esses conhecimentos dialogam com outras explicações na produção de seus enunciados sobre ‘evolução biológica’, na condição de educadores nas áreas de assentamentos do MST.
Essa pesquisa tem como pressuposto básico de que abrir um espaço para a crítica da ciência e de seus limites não significa negar a importância, a potencialidade e seu lugar na contemporaneidade. Acreditamos com ela, podermos compreender um pouco mais as relações pedagógicas que os educadores do campo estabelecem com seus alunos no sentido de promover o encontro/confronto de perspectivas em termos de visões de mundo (AIKENHEAD, 2009). Nosso objetivo último é de promover uma avaliação de como estamos formando esses sujeitos e se estamos dando conta de promover algumas rupturas ou questionamentos a uma perspectiva etnocêntrica que assume as ciências e a racionalidade técnico-instrumental como formas de conhecimento superior (SOUSA SANTOS, 1999)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AIKENHEAD, G. S. Educação Científica para todos. Lisboa: Edições Pedago, 2009.
ANTUNES-ROCHA, M. I. Licenciatura em Educação do Campo: desafios e possibilidades da formação para a docência nas escolas do campo. In: DINIZPEREIRA, J. E.;LEOA,G.(orgs). Quando a diversidade interroga a formação docente. Belo Horizonte. Autêntica. 2008.
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir
Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
BRASIL. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO CONSELHO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo: 36/2001. 04.12.2001. MEC/CNE. Brasília, D.F., 2003.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Panorama da Educação do Campo. Brasília: MEC/INEP, 2007.
IRWIN, Alan. Ciência Cidadã – Um estudo das pessoas; especialização e desenvolvimento sustentável. Lisboa: Piaget, 2009.
LIMA, M.E.C.C. Uma formação em ciências para Educadores do campo e para o campo numa perspectiva dialógica. In: Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente /organização de Ana Maria de Oliveira Cunha ... [et al.]. – Belo Horizonte : Autêntica, 2010. 693p. – (Didática e prática de ensino)
SANTOS, B. S. Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade. São Paulo: Editora Cortez, 1995 (12ª edição).
VENÂNCIO, J.M.P & LIMA, M.E.C.C.. Formação de professores de ciências nas Licenciaturas em educação do campo: uma experiência da faculdade de educação da UFMG. In: Atas do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC). Florianópolis-SC: ABRAPEC, 2009.



[1] Os números dessas estatísticas foram retirados do documento publicado pelo Inep/MEC em 2007e intitulado como Panorama da Educação do Campo. 

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